segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Na noite

Se tudo o que vira fora um imenso e intenso buraco negro, se as cores não se distinguiram em formas acessíveis e enquadradas em um tamanho que me fosse visível, por que, mas por que insistia em manter a linha, em me controlar obsessivamente, se tudo lá fora andava tão descontrolado?! O vento, as folhas voando, a marca laranja do tempo.
Se pudesse ter escolhido, diria que não o queria. Não o queria porque magoava e machucava profundamente. Grandes filetes de sangue que insistira que desta vez não correriam, que não me diriam quem sou, pois eu é que diria a eles quem eu era, quem eu sou! Quisera ser mais descomplicada, menos sensível. Quisera, é verdade, mas não o era. Quisera inúmeras vezes um ideal menos romântico e sonhador, mais pé no chão, ou simplesmente um ideal não-ideal. E tampouco isto eu tinha.
Foram gritos abafados no travesseiro, socos inaudíveis nas paredes, lágrimas compulsivas e intensas na face... E no fim, um telefonema, um vestígio dor e mais nada. Apenas silêncio e aceitação.

- Para V.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Humildade

“ – Em Roma, senhor Holmes, quando César voltava vencedor das batalhas e a multidão o aclamava, entusiasmada, durante os desfiles do Triunfo, fazendo-lhes as honras de uma divindade, ele costumava ter ao seu lado um escravo sussurrando-lhe ao ouvido: “És calvo, velho e barrigudo...”. Queria, com isso, lembrar-se de que era apenas humano. A humildade é a mãe de todas as virtudes. Guarde O Canto do Cisne como um troféu do escabroso caso que não conseguiu resolver.”

- Jô Soares – O xangô de Baker Street

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Como diria Chaplin

"Não faças do amanhã o sinônimo de nunca, nem que o ontem te seja o mesmo que nunca mais. Teus passos ficaram. Olhes para trás... Mas vá em frente pois há muitos que precisam que chegues para poderem seguir-te." (Charles Chaplin)

Eles se amam.


Todo mundo sabe mas ninguém acredita. Não conseguem ficar juntos. Simples. Complexo. Quase impossível. Alguns dizem que isso jamais daria certo. Outros dizem que foram feitos um para o outro e deveriam lutar por isso. Eles preferem não dizer nada. Preferem meias palavras e milhares de coisas não ditas. Ela quer atitudes, ele quer ela. Todas as noites ela pensa nele, e todas as manhãs ele pensa nela. E assim vão vivendo até quando a vontade de estar com o outro for maior do que os outros. Enquanto o mundo vive lá fora, dentro de cada um tem um pedaço do outro. E mesmo sorrindo por aí, cada um sabe a falta que o outro faz.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Velhos sentimentos

Naquela noite encostou a cabeça no travesseiro e fechou seus olhos. Junto às lágrimas, as velhas perguntas voltam a perturbar. Novamente seus pensamentos voltaram para uma tarde de verão que ela pensava já ter afastado da memória, uma tarde que por anos infindáveis ficou esquecida. Não que a tivesse abandonado de vez, porque sabia, por todos os seus dias, que algo estava errado, que uma parte de si ainda faltava, mas isto não a incomodava por não saber exatamente o que era e por não ter curiosidade (ou coragem) suficiente para buscar. Porém, quando tudo voltou, quando tudo finalmente fez o saco velho repleto de mentiras, culpas e desculpas se rasgar em mil pedaços que voaram soltos por aí, ela precisou encarar a realidade e jogar o jogo jogado por ele tempos atrás, quando ainda era jovem demais para entender como as regras o favoreciam e velha demais para, mais tarde, não saber do que se tratara. São velhos sentimentos, mortos e enterrados que voltam a assombrar, mesmo após um dia em que, num momento de fraqueza e de sinceridade extremas, se sentira acolhida como uma menina e seu urso e dividiu com um outro alguém palavras que outrora não ousava dividir nem consigo mesma, mas que entendia que o silêncio perpetuava um jogo que não era mais apenas seu.

Parecia outra coisa,


mas talvez ela não caia.

No cair da noite... Duas cores.

O negro e o branco. Assim se pinta a noite que vai caindo... Solidão e saudade me batem à porta e pedem para ficar. Eu deixo. Deixo, porque não tenho companhia nenhuma e sempre é bom receber alguém com um som diferente de nossos passos. Elas me perguntam como estou, como sou... E digo que no momento não sou nada. Olho pela janela, o céu ainda é estranhamente claro por sobre as árvores, mesmo que o sol já tenha se ido há tempos. Ainda me deixo fungar e assoar o nariz na frente de minhas peculiares visitas, mesmo que isto demonstre uma notada falta de consideração por minhas hóspedes, mesmo que corra o risco de que não voltem mais. Mas sei que não hão de abandonar-me jamais, porque também sou a única companhia que têm, sou a única que não sorri, a única que não ama e não conversa. Mesmo servindo chá com bolachinhas para minhas hóspedes, não ousei olhá-las nos olhos, nem emitir qualquer som que não se parecesse com um leve sussuro.

Um telefonema

E essa vida é mesmo como uma selva imensa na qual vamos nos perdendo cotidianamente, cada vez seguindo mais para dentro da mata, mas sempre acreditando que não estamos perdidos... Que estamos apenas seguindo, sabendo perfeitamente para onde. Até que os dias passem, noites caiam e saiam; e aí, quando nos damos conta, não sabemos nem mais se estamos subindo ou descendo. E é precisamente neste ponto que gritamos por socorro! É o momento no qual todos se apegam ao seu Deus ou aos velhos amigos que deixamos para trás após o colégio, que se foram com a faculdade. Embora tenhamos passado longe por tempo demais, alguns ainda nos reconhecem e acolhem... Nos aceitam e telefonam todas as noites, até que as coisas fiquem bem, mesmo que seja um telefonema curto, quase mudo e com a voz fraca:
- Hã... Oi! Só liguei para você saber que continuo na linha.

A pessoa errada

O que chamamos de pessoa certa, na verdade quer dizer "pessoa errada". É, porque afinal, no que é que ela está certa?! Ela está sempre no lugar errado, na hora errada e com pessoa errada... Jamais está no lugar certo, jamais está onde deveria estar, que é aqui do meu lado. Quando passamos a vida toda esperando pela pessoa certa, na realidade é porque esperamos a vida toda pela pessoa errada, mas que apesar de estar sempre errada, ainda poderá nos fazer feliz, poderá arrancar sorrisos sinceros e palavras justas. E, no final das contas, é muito mais do que esperávamos que a pessoa certa fosse.