sábado, 28 de fevereiro de 2015

Quando o sucesso é uma promessa

Acho que sempre bate esse desespero, quando a gente percebe que tem responsabilidades muito grandes nas mãos. Principalmente quando percebe que aquilo que você diz e quer é difícil de conseguir e que, se for seguir pelas probabilidades, é muito mais possível que nada dê certo do que o oposto.
Então eu acho que é isso... O preço da promessa é muito alto e você tem medo de não conseguir arcar com ele, então desaba. E você queria muito acertar, por isso a decepção é tão doída. Há três dias você estava tão certa de que tudo ficaria bem, de que você conseguiria... E agora você é uma criança assustada com medo dos monstros no escuro. Só que não há monstros no escuro. Nós é que estamos todos ali. Nós é que construímos nossas incertezas e damos forças à nossa insegurança. Somos nós, ninguém mais. Somos nós também que temos que responder por elas, nós que temos que lutar com mais força justamente quando nossas pernas cedem e os braços doem. Precisamos de força, de mais força, de muita ajuda. Precisamos pedir ajuda e aceitá-la, e permitir que se aproximem para nos ajudar.

Sobre coisas que a gente acha que a humanidade já teria superado...

"Que palhaçada foi aquela? Eu, mais de 100 quilos, não poderia ter fugido? Ele estava bêbado, não podia ser tão difícil. Sim, palhaçada. Voltei a ser criança. Sim, palhaçada. Cinco anos com medo dos monstros no escuro. Sim, palhaçada. Chorando chamando minha mãe. Sim, palhaçada. Descobri que não havia monstros no escuro. Sim. Palhaçada. Sinônimo. De. Mostro. É. Ser. Humano.
(...)
Quem ficou ali não era a mesma garota de 17 anos de sempre. Era o resto do resto. Os pedaços quebrados. Os frangalhos. Os cacos. A poeira sob os pés da humanidade".

- Texto completo em Mulheres e suas crônicas

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Distraída

Hoje vivi uma cena linda, que me fez pensar em muitas coisas...
No horário do almoço passei em uma loja de departamentos e, esperando na fila do caixa, havia três meninas na minha frente. Colegiais, não mais que 12 anos, de uniforme e shorts curtinho. Elas conversavam animadamente e quando cheguei na fila uma delas, a menorzinha, ficou olhando fixo para meu peito. Eu até pensei que fosse para o decote, já que estava com uma blusinha um pouco decotada, mas não era nada demais, que chamasse atenção. Aí lembrei, eu estava de colar. Ela olhava admirada para o anjinho do meu pingente, até que exclamou: "Que lindo! Eu tinha um assim!". Eu sorri e, instintivamente, o segurei entre meus dedos dizendo "é meu anjinho da guarda, o meu protetor" e lembrei que ele foi um presente de pessoas muito especiais... Logo em seguida, a mesma menina emendou: "De onde você é?". Fiquei surpresa! "Nossa, você me pegou rapidinho pelo sotaque! Eu não sou daqui, eu sou do Sul!". E uma de suas colegas falou "que legal, lá deve ser muito bonito". Então a primeira menina que falou comigo disse que sua irmã morava em Porto Alegre e que ela queria muito conhecer. Eu, como boa sulista que sou, disse que se elas tivessem oportunidade fossem conhecer, que o sul todo é muito bonito. E então, uma delas, a que ainda não havia dito nada, chegou pertinho do meu rosto, exclamando: "Que lindo seu olho! Ah, você é muito sortuda! Você é muito bonita!", e suas amigas assentiram com um sorriso e foram chamadas pela caixa, para pagar suas compras, dois pacotes de guloseimas...
E eu fiquei ali, esperando a minha vez, e pensando no que elas disseram e no que representava aquele momento mágico em que três estranhas, com metade da sua idade, passam pela sua vida por pouco mais de um minuto, e têm o poder de transformar seu dia em algo inesperadamente melhor.

sábado, 21 de fevereiro de 2015

O espelho

Esse que em mim envelhece
assomou ao espelho
a tentar mostrar que sou eu.

Os outros de mim,
fingindo desconhecer a imagem,
deixaram-me a sós, perplexo,
com meu súbito reflexo.

A idade é isto: o peso da luz
com que nos vemos.

- Mia Couto, in Idades Cidades Divindades.

Sobre amores que se vão

Como belos pares de olhos brilhantes, algumas pessoas se vão.
Elas não podem ficar.
Elas se vão quando já fizeram o que tinham para fazer.
Se vão quando sentem que estão de missão cumprida ou com o coração um pouco pesado demais. às vezes, elas simplesmente vão porque querem, porque cansaram de ficar. Essas são aquelas pessoas, em geral, mais incríveis. São aquelas pelas quais, invariavelmente, a gente se apaixona. Se apaixona pelo ar de desapego, pela necessidade de sentir a rejeição. Quem nunca amou demais? Afinal, quem nunca amou tanto ao ponto de sufocar aquele outro com tanto amor?
Não, não se engane. Ele não se foi porque você o amou; se foi porque não pôde suportar ser amado.
Eis sua mais nobre missão, mas, infelizmente, poucos sobrevivem a este primeiro amor. E se vão.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Sobre meias verdades, relutantes

 - Tu vês... A gente não sabe nada de nada, vive lidando com meias verdades... ou com verdades provisórias...
 - Ou transitórias...
 - Exatamente. -- Tônio levantou-se e caminhou até a lareira, passou a mão pela calva de Pou-Tai. -- Mas a gente não pode prender uma personalidade num conceito, numa fórmula. E muito menos a vida!

- Erico Veríssimo, in O resto é silêncio, p. 75-6.

Sobre a arte imitar (fabricar?) a vida

Tônio ficou a buscar palavras com que pudesse descrever aquela paisagem. Se fosse pintor - refletiu - seus dedos estariam ardendo por tomar dum pincel e prender na tela as cores daquele horizonte volúvel. Sim, o que há no fundo de todo artista é ainda o menino. O menino que olha o mundo e diz: "Eu também sei fazer um céu como aquele, flores iguais às deste jardim, pessoas como aquelas que lá vão". Há também meninos que em assomos de orgulho exclamam: "Eu sei fazer um mundo mais bonito!". E aí estava a razão pela qual a arte tantas vezes superava a vida. Quanto aos surrealistas, cubistas, etc..., são meninos esquisitos que gritam: "Eu sei fazer um mundo diferente!".

 - Erico Veríssimo, in O resto é silêncio, p. 68.

Crônica para uma terça-feira de Carnaval

Quis fazer um programa mais hippie hoje! Resolvi trocar meu tênis e a academia pela areia da praia. Faz tempo que eu observava várias pessoas correndo na areia e, embora eu adore correr na praia, sempre vou pelo calçadão. Que tal tentar algo diferente hoje? Sempre tive a impressão que caminhar na areia cansa muito, afinal mais de uma vez caminhei pela praia com amigas e me sentia exausta com poucos minutos. Logo eu, a corredora de alguns quilômetros há anos.
Pois bem, o dia era hoje!

Acordei cedo, levantei, tomei o café levinho de sempre, já que sempre faço atividade física pela manhã, e me mandei de top e chinelo havaianas para a praia de Icaraí. Dia meio nublado e não tão quente. Ótimo para fazer exercício ao ar livre. E embora fossem recém 8h de uma manhã de terça-feira de Carnaval, encontrei muitos companheiros da jornada dos exercícios físicos matutinos andando e correndo por lá. O que mais chama atenção? Muitos deles – e isso quer dizer uns 90% - eram idosos! Sim, idosos, desde os mais jovens, de 60, 70 anos, até idosos que me pareceram bem mais velhinhos, na casa dos 80, talvez 90 anos. Eu correndo que nem maluca, para não baixar meus 11km/h da esteira, e eles, cada um no seu tempo. Dei duas voltas na orla e encontrei alguns as quatro vezes, entre minhas idas e voltas. Eu pude observar por alguns segundos aqueles cabelos brancos, os olhos profundos, as peles flácidas e de múltiplas tonalidades; as múltiplas etnias também: descendentes de europeus, asiáticos, negros e os bem "brasileiros". Todos compartilhávamos a mesma praia! E me parece, sabe o quê? Que eles adoram estar lá! Que eles estão curtindo muito aquela manhã não tão quente de uma terça-feira de Carnaval, que estão curtindo seus companheiros de jornada nos exercícios matinais, já que muitos estavam acompanhados, em casais e entre amigos. Então, me parece que aquilo era mais que uma caminhada ou exercício físico, era também convivência, socialização, qualidade de vida. Era exercício físico por prazer, pelo prazer de pisar na areia fofinha, pelo prazer da conversa animada e sem propósito maior, pelo prazer de estar junto, de poder olhar a vida com aqueles olhos penetrantes de quem já viu algumas coisas pelo caminho. Era simplesmente um estar lá e se satisfazer com aquilo.

Depois da minha corrida, quando voltei para a calçada e coloquei os chinelos, quando senti uma dorzinha leve na panturrilha, eu pensei nos velhinhos da orla da praia de Icaraí. Quero chegar lá também, eu quero chegar a estar assim: estar porque quero, não porque preciso; com quem quero, não porque preciso; quando quero, não movida pelo resultado, mas pelo processo.

E a corrida? Bem, em meia hora eu sentia o mesmo cansaço de duas horas na esteira ou na rua, então, a não ser que alguém me jure que fazendo isso eu não vou ter celulite nesta e nas próximas três vidas, eu continuarei correndo com meus tênis só na calçada, e sentindo a areia fofinha quando for para estar de biquíni, na praia, só pelo prazer de estar lá.

domingo, 15 de fevereiro de 2015

Sobre a decepção e outras pequenas esperanças

Dizem que decepção é problema de quem sente, e deve ser mesmo, mas, se me permite dizer, dói! Dói pra caramba! Às vezes dói até mais do que quando quem erra é você. Expectativa demais, esperança demais. Simplesmente você espera que aquele outro seja completamente diferente de todos os outros, mas ele não é. E aí, é claro que fica a dúvida: ele é igual a todos os outros, que não oferecem nada demais, ou você é que é exigente demais? É, porque, às vezes, é você quem está esperando que o outro seja perfeito, e então, meu bem, você nunca vai encontrar; jamais haverá alguém como você espera.
Não sei, só fica para pensar...

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Sobre direitos concedidos

Tenho só vinte-e-quatro anos, e muitas vezes me pergunto se minhas lembranças são tão claras. Às vezes fico convencida de que elas são recordações de outra pessoa que eu absorvi. (...) Às vezes me pergunto se a gente não passa tempo demais juntos, dia após dia, trabalhando e comendo lado a lado, dormindo nos mesmos cômodos, fundindo nossos sonhos. Às vezes me pergunto se sabemos onde cada um de nós termina e onde os outros começam.

- Achy Obejas, 1996, in Memory mambo.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Um ano depois...

Nesta semana faz um ano. Seu primeiro aniversário daquele último dia. Da última vez. Você ainda se lembra?
Sim, eu sei que lembra. Lembra-se como se houvesse sido ontem, não é?
Um dia de trabalho, parecia normal, você pôs seu uniforme, acordou cedo, não tomou seu café, saiu às pressas, estava atrasada alguns poucos minutos. Caminhou rápido e o dia estava tão quente. Você transpirava - muito! Chegou cedo, embora estivesse um pouco atrasada. A loja estava vazia. Você e aquelas estantes, a mesa, seu computador. Só você. E mil e um pensamentos. Você estava ansiosa... Sua formatura chegava. Seria um grande dia. No dia seguinte você pegaria seu vestido, aquele dos seus sonhos, desenhado pelas suas mãos, todo cheio de pedras prateadas, em um tom azul da cor do céu. Da cor da esperança que havia em seus olhos e em seu coração. Mas ele estava fraco, ele, seu coração. Um pouco de dor na garganta também. Você se lembra de como doeu quando vomitou o jantar na noite anterior? E no almoço também? Aliás, você lembra que estava sendo assim há alguns dias? Eu sei que lembra, você não poderia esquecer. Como não esquece daquele dia.
Você chegou no trabalho como um dia normal, mas sentia frio. Foi para casa no horário de almoço e apenas dormiu. Você mentia muito também, era uma boa atriz e a época era de grandes mentiras. Mas naquele dia, dizia a verdade. Você não sentia fome - e sentia um pouco de dor. Na cabeça, na garganta, no estômago.
Mesmo assim, voltou para o trabalho. Não falou com ninguém. Você se lembra de como pediu ao seu chefe para ir até a farmácia e de como ele não se solidarizou com você? Aquilo te deixou com raiva, não é? Então, para provar que era forte, você ficou. Você ficou no trabalho por mais tempo do que deveria, você deixou seu coração bater sozinho por mais do que ele poderia, você demorou para pedir ajuda, e quando pediu, ela estava distante.
Sua mãe demorou a chegar, mas ela chegou. Te colocou no banco de trás do carro, como fizera outras vezes quando você era pequenininha. E você não esqueceu. Você acordava e dormia, naquele banco da emergência do hospital. Você via sua vida indo aos pouquinhos, você ouvia sua mãe batendo boca com a enfermeira ao longe, chamando um médico com pressa. Você sentia a mão dela na sua testa suada e quente, você sentia aquelas mãos fortes segurando as suas mãos geladas. Mães... Elas deviam ser eternas, estar para sempre com a gente.
Você sentia a dor, a sua, que era muita, que era gigante. Mas também a dela, que era maior ainda. E você sabia, que se ela te perdesse, a culpa era sua. Algum tempo depois, já em sua cama, em sua casa, você chorava com lágrimas do coração. Você pedia desculpas, você ouvia sua mãe dizendo que andava preocupada, que sabia que as coisas contigo não iam bem. Ah, e como ela sabia! Não iam mesmo. Você queria morrer. Você poderia morrer para ficar bonita dentro daquele vestido azul-cor-de-céu-com-pedras-prateadas.
E você se lembra de como passou aqueles dias seguintes de cama, de como foi assustador quando o médico disse que somente com muita sorte você estaria bem para a sua formatura? Você lembra do seu desespero? Lembra-se de como você chorou mais forte depois daquilo?
Você se lembra, não é? Não há como esquecer.
Mas você sobreviveu. Você viveu seu baile de formatura e dançou a valsa com seu pai, você o viu sorrindo naquele dia, como não lembrava de tê-lo visto antes. Você viu o orgulho em seus olhos e refletiu na marca roxa do soro médico no seu braço esquerdo. Naquela valsa você lembrou da dor. Do medo de morrer, do medo daquilo que ia perder, da dor que ia infringir. E você fez uma promessa, também: você queria superar aquelas coisas todas, você queria viver, você queria voltar a ser a menina um pouco gordinha que jogava béts com os meninos na rua.

E de lá para cá, um ano passou. Você ficou um ano mais velha, um ano mais forte, um ano mais apaixonada pela vida e por tudo o que ela tem oferecido.
Olha, nós sabemos que este último ano não foi fácil. Você perdeu tanto ao ganhar. Você fez trocas pesadas, mas todas justas - e você as honrou como se honra uma promessa. Você não se decepcionou. Você superou todas as suas expectativas. Você tem sido feliz, não tem? Você tem amado mais do que poderia. Você tem sido tão presente quanto achou que conseguiria. Você continua lutando. Você continua, linda!
Você não desiste, nunca, não é?
Ao mesmo tempo, você não conseguiu fazer tudo o que queria. Não conseguiu deixar essas coisas para lá - elas ainda te importam e assombram, mas você sabe o que é mais importante nisso tudo.
Você coloca mais paixão do que imaginaria ser possível, em tudo aquilo que faz. Você provoca alguns sorrisos, de vez em quando. Você irradia alguns corações, algumas vezes também. Você encanta, pena não se deixar tocar muito. Você ganharia muito mais... Mas você ama, e no final das contas, é isto que importa.
Você compartilha sua história dizendo que tem medo, mas no final deixa sempre aquela mensagem positiva de que é possível.
Você acredita.
E, por acreditar, constrói castelos de flores no deserto.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

A garota do copo d'água




“- Sabe a garota do copo d’água?
- Sei.
- Se parece distante…talvez seja porque está pensando em alguém.
- Em alguém do quadro?
- Não, um garoto com quem cruzou em algum lugar e sentiu que eram parecidos.
- Em outros termos… prefere imaginar uma relação com alguém ausente a criar laços com os que estão presentes…
- Ao contrário, talvez tente arrumar a bagunça da vida dos outros.
- E ela? E a bagunça na vida dela? Quem vai pôr ordem?“

- In Le Fabuleux Destin d’Amélie Poulain.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Ele espera no portão

O telefone toca e ela atende. Atende, porque não conhece o número. Não sabia que era ele. Se soubesse, talvez não tivesse atendido. "Ei, desce aqui", ele pede. Algo em sua voz a comove. Ela vai? Depois do dia difícil? Depois do choro engolido no trabalho? Depois das palavras tortas, um pouco atropeladas?
Sim, ela vai. Mas antes ela respira fundo, retira o lixo. Ela demora mais do que deveria. E ele espera. Espera sentado no muro do prédio, com aquela camisa cheirosa, com aquele olhar de quem espera ganhar um pouco mais do que ela oferece, aqueles olhos castanhos profundos, aquele sotaque carioca malandro, aquele amor sufocante que ela jamais tivera.
Ela desce de chinelo havaianas. Ela desce com o cabelo bagunçado, de óculos de grau. Ela desce com os olhos vermelhos e o rosto um pouco inchado.

Ele bate na porta com suas dores. Ela ouve sem abrir o coração.
Ele fala com sinceridade. Ela fecha os ouvidos para não entender.
Ele ali, pedindo para entrar. E ela tão distante... Querendo se proteger.

Para acalmar um coração

"Bichos em casa, da série.

Bicho estranho é o bicho homem. Havia um casal que se amava muito. Moravam numa casa antiga e velha. Por mais de uma vez a casa foi visitada por ratos. Não, eles não vinham à casa porque ela era velha, mas porque era casa e ficava, como quase todas as casas, no nível da rua. Não era um apartamento lá no alto. Era uma casa, e segundo informações colhidas pela mulher (era pesquisadora), ratos-entram-em-casas. Logo que soube disso a mulher foi tomada por dois afetos: no coração, um abatimento. Ai que horror, acordar à noite e encontrar um rato a andar pela mesa da cozinha! Na alma, uma determinação: ou ela acabava com os ratos ou os ratos acabavam com ela! Mais pesquisas. A solução? Gatos são os predadores naturais dos ratos. Bimba! Encheu-se a casa de gatos, ela passou a amá-los, não mais porque eram os predadores naturais dos ratos, mas porque eram gatos, esses seres adoráveis! Mas disso ficou um resquício no coração, uma sequela mesmo. A mulher tinha sobressaltos. Andava pela rua e se via uma pequena folha a mover-se com o vento, dava um pulo: um rato??!!! Era assim. Um susto ficou instalado no coração da mulher e a qualquer sussurro do mundo, pronto, ele virava um susto enorme! A casa velha nunca mais foi a mesma porque a mulher a habitava com esse susto no coração. Os gatos não eram predadores naturais para esse susto. Será que haveria os predadores de susto no coração? Nesse tempo, o casal apaixonado estava empenhado na construção de uma casa nova. Todo sábado eles visitavam a obra da casa nova. Para eles a obra era um sonho e um enigma! A casa nova, desejada, planejada, desenhada nos ares mil e uma vezes, agora se desenhava também nas pedras e no concreto. Mas aquilo era um enigma, eles entravam na obra, que mais parecia com escombros e não entendiam o que viam. Aqui é a sala! E o outro logo dizia: ah é? Pensei que fosse a cozinha... E essa parede aqui, será que vai ser o que? E ficavam horas nesse jogo de adivinhação. Era divertido, eram os sonhos, o amor, a vida que ia se fazendo naquelas perguntas sem respostas. Acontece que a mulher ia para o sonho em obras com o susto no coração. A coisa tinha se instalado com força naquele pobre coração. O marido, cheio de amor, percebia o susto mesmo quando ele estava silencioso, mesmo quando nenhuma folha se agitava no chão. O homem sabia o que estava no coração de sua amada. Notava que a mulher não visitava a obra da casa nova com o mesmo brilho nos olhos de outrora. Então, ele começou a falar-lhe ao coração, como só os homens apaixonados sabem fazer. Apontou para o terreno nos fundos da obra e disse: Aqui é tão fresco, né? Sente a brisa! É a mata, olha que linda! A mulher olhou a mata, sentiu a brisa e se enroscou nas doces palavras do seu amado. E ele seguiu em suas ponderações, percebendo, sem dúvida, que suas palavras acalmavam aquele coração aflito. Sabia que aqui não tem ratos?? Ele disse. Os olhos da mulher foram invadidos por uma luz solar: Ah é?? Aqui não tem ratos??? O sorriso já chegava aos lábios da mulher... mas ali naquele sorriso a pesquisadora veio sorrateira soprar uma pergunta. Pesquisadores são seres que não descansam nas soluções apressadas. Silêncio. A mulher-pesquisadora fez-se interrogação e disparou: E por que aqui não tem ratos ? O homem apaixonado respondeu na lata: Porque tem cobras!"

- Marcia Moraes, in Facebook.

Historinha para acordar






Era uma vez uma menina feliz. Feliz e gordinha.

Ela foi levada ao endocrinologista para receber sua primeira dieta aos sete anos. Meio pedaço de carne magra. Uma colher de arroz. Na sala de aula, recebeu os primeiros apelidos...”hipopótama”... pudim de banha. Marginalizada pelos colegas e por quê? Por uma característica física. A dieta, previsivelmente, não surtiu efeito. A mãe então apela para chás amargos, água de berinjela, suco de couve (“diz que derrete gordura”) . Quando mais dieta faz, mais gorda fica. Sempre imersa até o pescoço nos palpites, conselhos e dicas bem intencionados da vizinha, da amiga da comadre... Sempre um comentário. Sempre o corpo. Sempre o peso. Já adolescente, ao olhar no espelho, sente asco. Repulsa. Abominação. Resolve que vai emagrecer, e dessa vez é para valer.


“Já almocei, mãe!”

“Estou sem fome, mãe!”

“Tô meio enjoada, não vou jantar hoje, mãe!”

E eis o truque do desaparecimento. Todos viram, ninguém enxergou. E a menina se transformou numa carcaça do que um dia fora aquela criança cheia de vida, alegria, sonhos e saúde.

Então começa a contradição. Todos os que lhe diziam “não coma, não coma”, agora lhe imploravam “coma, por favor”... E ah, sim, ela comeu!


Ela comeu a angústia, ela comeu a raiva, ela comeu a tristeza, ela comeu a vergonha, ela comeu o amor e a aceitação que solicitou e nunca recebeu.

Sentiu que não devia ter feito aquilo. Vomitou. E assim nasceu seu ciclo particular de automutilação, solidão e melancolia que ninguém adentra...e que ninguém conhece... só ela.


***PÁRA TUDO***


Mas, olha só, vamos rebobinar?

- Ao invés de chamar a criança de gorda e recriminá-la por causa disso, façamo-as sentir que ela é querida e amada independentemente da sua aparência.

- Vamos separar o que é beleza, o que é magreza e o que é saúde (SIM, são coisas diferentes.)

- Vamos ensinar aos pequenos que existem muitos tipos de corpos do mundo e que a beleza está na diversidade.

- Vamos focar na qualidade da alimentação e não no peso.

- Vamos dissipar o tabu em torno das guloseimas... de vez em quando pode, é gostoso e não é proibido para ninguém.

- Eduque, incentive e converse com sua filha (ou filho) de forma POSITIVA e enaltecendo suas conquistas e qualidades.

Vamos rebobinar?

Imaginem quantas vidas poderíamos salvar?

Retirado de Não sou exposição

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Sobre dores e outras coisas

Porque não podemos prolongar para sempre esse tipo de coisa. Chega uma hora em que é preciso arrancar o Band-aid. Dói, mas pelo menos acaba de uma vez e ficamos aliviados.

 - John Green, in Quem é você, Alasca?

Ah, tão tarde, meu bem...

Tantos de nós teríamos de conviver com coisas feitas e deixadas por fazer naquele dia. Coisas que terminaram mal, coisas que pareceram normais na hora, porque não tínhamos como prever o futuro. Se ao menos conseguíssemos enxergar a infinita cadeia de consequências que resultariam das nossas pequenas decisões. Mas só percebemos tarde demais, quando perceber é inútil.

- John Green, in Quem é você, Alasca?

domingo, 8 de fevereiro de 2015

Sobre amores que voltam



“Franz Kafka, conta a história, certa vez encontrou uma menininha no parque onde ele caminhava diariamente. Ela estava chorando. Tinha perdido sua boneca e estava desolada. Kafka ofereceu ajuda para procurar pela boneca e combinou um encontro com a menina no dia seguinte no mesmo lugar. Incapaz de encontrar a boneca, ele escreveu uma carta como se fosse a boneca e leu para a garotinha quando se encontraram. “Por favor, não se lamente por mim, parti numa viagem para ver o mundo. Escreveu para você das minhas aventuras”. Esse foi o início de muitas cartas. Quando ele e a garotinha se encontravam ele lia essas cartas compostas cuidadosamente com as aventuras imaginadas da amada boneca. A garotinha se confortava. Quando os encontros chegaram ao fim, Kafka presenteou a menina com uma boneca. Ela era obviamente diferente da boneca original. Uma carta anexa explicava: “minhas viagens me transformaram…”. Muitos anos depois, a garota agora crescida encontrou uma carta enfiada numa abertura escondida da querida boneca substituta.
Em resumo, dizia: “Tudo que você ama, você eventualmente perderá, mas, no fim, o amor retornará em uma forma diferente”.

- May Benatar, in Kafka e a menina que perdeu sua boneca em Berlim.

sábado, 7 de fevereiro de 2015

Decepcionada

Será que simplesmente não é possível um cara legal convidar uma mulher para jantar, só pela sua companhia, sem qualquer pretexto ou segunda intenção?

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Um esforço para entender

Ah, sei lá, sei lá... Chega uma hora que você deixa de tentar entender. Chega uma hora que você se cansa e aí então deixa as coisas acontecerem. Não tem nada demais em seguir a corrente. O que cansa mesmo é nadar contra ela por tanto tempo.
Mas e aí, se você não é isso? Se você não sente isso? Então, você segue nadando ou engole seu próprio orgulho e morre afogada com a esperança de se proteger?

Sobre meninas e lobos

Uma garota forte numa via rápida
Não tem tempo para o amor, não tem tempo para o ódio
Não há drama, não tem tempo para jogos
Uma garota forte cuja alma dói

Posso chorar, arruinando a minha maquiagem
Leve todas as coisas que você tomou
E eu não ligo se não estou bonita

Garotas crescidas choram
Quando seus corações estão partidos

Garota forte, estou com dor
É tão solitário no escuro
Apagões e aviões
E eu ainda lhe sirvo uma taça de champanhe
Uma garota forte
Cuja alma dói

Eu acordo, acordo, acordo
Acordo sozinha

- Sia, in Big girls cry

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Carta à autora do NSE

Movida pela sua carta de reflexão sobre um e-mail inconveniente é que escrevo. Não para contar toda a minha história, embora eu não fuja dela com as palavras a seguir, nem para te promover ou dizer que também sou contra essas ofensas de quem tem um pensamento contrário e ortodoxo sobre os rumos da sociedade contemporânea, dos alimentos, das pessoas e de seus corpos. Eu escrevo simplesmente porque quero escrever. E porque quero contar que já fiz parte das estatísticas, já fiz parte daquela porcentagem razoável das pessoas vulneráveis à morte em decorrência de sintomas de anorexia e bulimia.

Eu fui aquela criança que quase se matava fazendo exercício aos 10 anos.

Eu fui a adolescente que vomitava o almoço.

Eu sou a adulta que não consegue pensar em uma refeição sem atrelar a aquilo que deve ou não deve comer porque vai engordar, porque vai ter celulite, porque vai ficar feia e ser desprezada.

Eu sou essa adulta que, como tantas outras pessoas adultas, não consegue ligar a tv, abrir uma rede social, ver uma imagem na academia; sem pensar que é inadequada, que todo mundo está olhando para suas pernas gordas e costas largas, que todos sabem que é descontrolada e basta olhar para saber que vomitou o jantar de ontem e que agora está correndo 1 hora na esteira com o título de "CULPADA" estampado na testa.

E eu sou uma adulta que tem medo de ficar velha, ter rugas, a pele flácida e com manchas, porque me ensinaram que devo temer.

Não estou curada da bulimia nem da anorexia. Às vezes acho que jamais deixarei de ter uma visão distorcida sobre mim mesma. Mas eu continuo tentando.

É para dizer todas essas coisas que escrevo, mas é também para dizer que sou uma dessas pessoas que, assim como você, autora do NSE, tenta soar como alerta para crianças, jovens e adultos, correndo desesperada por aí com uma plaquinha escrita: "Por favor, PAREM!". Parem antes que o mundo se torne um espetáculo de corpos fabricados. Parem, antes que o mundo seja um reservatório de beleza e depressão. Parem, antes que as crianças se tornem adultos e nós troquemos a juventude por potes e mais potes de whey protein, creatina, sessões de carboxiterapia. Parem, com essa loucura, com essa ditadura, com essa fabricação em massa de APARÊNCIAS, SUBMISSÃO E TRISTEZA. A vida é mais que isso!

A vida é também correr no parque pelo prazer de sentir o vento no rosto. A vida é também correr na praia para sentir a areia fofinha nos dedos dos pés. A vida é também sair para dançar com os amigos, parar para beber um chopp em um bar qualquer, rir tanto que as bochechas congelam com ruguinhas de felicidade.

A vida, minha cara, é isso... É SER ao invés de ter.
Um corpo firminho, um rosto bonito, coxas torneadas ou braços definidos, uma barriga tanquinho?

Para que tanto esforço para isto se todas as minhas melhores histórias são contadas pelas minhas imperfeições: meus olhos de cor um pouco diferente, herança de minha avó; minha covinha na bochecha, igual à da minha mãe; a cicatriz no joelho, fruto dos meus jogos de handebol na infância e adolescência; minha marca de regata de jogar vôlei na praia. Eu SOU sim, isso tudo, e muito mais!
Eu sou mulher, sou brasileira, 23 anos, blogueira desde os 15, psicóloga por profissão e artista por opção.

Eu sou, e posso ser, qualquer coisa, mas eu NÃO SOU EXPOSIÇÃO!

domingo, 1 de fevereiro de 2015

Para me fazer lembrar...


Me pareço tanto com você
Olhando dá pra ver
Seu rosto lembra o meu
Desde o primeiro aniversário
O primeiro passo
Sempre pronto pra me defender

Sempre que brigou comigo
Pra eu não correr perigo
Um herói pronto pra me salvar
E com você eu aprendi todas lições
EU ENFRENTE OS MEUS DRAGÕES
E SÓ DEPOIS ME DEIXOU VOAR

Mas eu só quero lembrar
Que de 10 vidas, 11 eu te daria
QUE FOI VENDO VOCÊ
QUE EU APRENDI A LUTAR
Mas eu só quero lembrar
Antes que meu tempo acabe
Pra você não se esquecer
Que se Deus me desse uma chance de viver outra vez
Eu só queria se tivesse você

EU SEI QUE O TEMPO É IMPLACÁVEL
AFASTA NOSSOS CORPOS
MAS APROXIMA O CORAÇÃO
O seu nome sempre lembrado
Converso e falo de você sempre na oração

Foi muito chato crescer
Passei a não ter você contando histórias para eu dormir
Mesmo o mundo querendo me derrubar
Ao meu lado você sempre está
Pra me levantar quando eu cair

Se joga

Que esse ano você não pare, mas pare de se preocupar. Que esse ano todos percam a fé em você, menos você, porque quando isso acontece é decretada a sua morte em vida.

Essa coisa de viver numa corrida, sempre tentando alcançar algo. Essa coisa de não dar grandes passos agora por medo e conselhos recebidos. Essa coisa de ser feliz num futuro que sempre está alguns quilômetros na frente.

(...) Pergunte-se infinitas vezes até achar a resposta que arrepie todo o seu corpo: onde está a sua felicidade?

- In Alô Alô Marciano.

Sobre "Indo longe demais"...

É aquele tipo de livro que te escolhe, não aqueles que é você quem escolhe. É aquele tipo de livro em que, conforme o avançar das páginas, você sente que a autoria é sua, e fica até um pouco indignada, não entendendo como é que escreveram a sua história sem lhe perguntar.
Mas não é. Indo Longe Demais é simplesmente uma história comum, dessas com a qual muita gente se identifica, então ter acontecido comigo não tem nada de especial. Mas que é também uma dessas histórias que, embora comum e trivial, é capaz de mudar algumas coisas na sua vida, sem dúvidas de que é para melhor. Ele não te ganha só pela capa. Ganha pela sensibilidade, pela ousadia, ganha pela esperança que devolve ao leitor, de que algum dia, tudo vai ficar bem, enfim. Talvez, Indo Longe Demais ter me escolhido neste momento tenha sido a promessa de um futuro novo, em um lugar como esse em que a gente deixa as coisas passarem, não remói demais, não revive demais, não tenta consertar o passado pelos passos dos outros. Aí então é permitido levantar voo. É permitido voar, não para longe demais, mas para algum lugar em que haja afago para o seu coração.