sábado, 24 de setembro de 2016

Hei, corpo!

Hei, meu bem. Brigamos feio essa semana, hein? Pois é... Acho péssimo falar assim, mas parece que você não escuta o que eu tenho para dizer e então eu fico assim, lutando contra eu mesma. E olha eu aqui não querendo essa culpa para mim, te deixando com todas as responsabilidades dessa bagunça meio escusa que eu sempre crio nos finais infelizes. Enfim, acho que é para dizer, “me desculpe pelos excessos” e ainda assim te responsabilizar. Mais uma vez eu quis me convencer que daria conta de toda a angústia se, de algum jeito, tirasse você do jogo, já que eu não sou capaz de te fazer ser do jeito que eu quero. Não bastasse o teatro, não bastassem as corridas, a academia, peguei pesado com você no ballet e te disse coisas horríveis em pensamento na frente do espelho. Ei, Corpo, te olhei mais do que queria essa semana, e te olhei querendo ver o que eu seria capaz de amar em você, e não o que você é. Eu começo a me convencer de que não sou capaz de te amar como eu gostaria. E tenho me esforçado tanto, tanto. Eu sei que você sente. Valorize minhas tentativas, por favor. Se eu não conseguir convencer a mim mesma, quem eu seria capaz de convencer?

Talvez a grande questão seja o que é que não dá para aceitar em você? O que é isso que parte do intolerável de ser, a ponto de bagunçar a casa e toda a bagunça e a sujeira lá de fora, da rua, irem adentrando pelas portas e pelas janelas escancaradas, pelas frestas. Então me desculpe. Desculpe-me por toda essa exigência, por essas críticas vorazes de falta de empatia, justamente com você. Justamente eu, que tanto condeno essa incapacidade generalizada de enxergar o outro. Eu não te vejo. Eu nunca quis não te querer, pelo contrário eu queria te amar tanto que todo o resto pudesse ser esquecido, ou pelo menos relevado. Eu queria ser capaz de conviver com as suas imperfeições sensíveis só a mim mesma, queria poder lidar melhor com meus braços cheinhos e com minhas coxas musculosas. Queria saber dar conta da minha barriga nem reta nem definida, meio estranha, e que de tão indecisa não é nem uma coisa, nem outra.  Dos meus dedos pequenos, das minhas costas largas e do meu cabelo indefinido, dos meus olhos meio termo, que não são nem castanhos nem verdes, desse coração que me parece tão vazio e de uma cabeça cheia demais. Queria não precisar esconder você dos outros, duvidar tanto do que você é capaz. Queria aceitar os elogios como se aceita uma observação sobre um objeto qualquer. Que a gente nem ama, nem odeia, só simpatiza. Que é ainda pior que os dois primeiros. Quem simpatiza não se envolve com nada. Nem para se doar, nem para repudiar. Não sustento nenhuma tese sobre você. Simpatizar é pior que nada, é mais forte que todo asco que você poderia sentir por alguém que não merece nada. Sobre quem você não consegue ver nada. Além de uma imensa porção de “não insista, não vale a pena”.

terça-feira, 6 de setembro de 2016

"Slackline"

Perdi um pouco a linha hoje. Não deu para segurar. Essa semana toda foi estranha... Muitas coisas acontecendo para pouca disposição de ficar me combatendo o tempo todo. Ontem eu não estava bem... O dia foi cheio e ao mesmo tempo foi pesado. Duas coisas chatas que aconteceram no trabalho me deixaram muito chateada, somado com as 6 aulas que eu dei ontem e tanta coisa se passando na minha cabeça sobre aquilo que eu tenho vivido foram demais para mim. Eu já tinha percebido que não estava legal... Minha irritação ao explicar pela terceira vez a mesma coisa para o meu irmão foi um sinal. Ele perguntando se íamos nos ver mais tarde e eu dizendo que poderíamos, mas que eu estava cansada. As horas passaram e nada. Quando veio uma resposta eu já estava até mesmo cansada demais para reclamar. Ele veio. É um “sexo casual” que se torna rotina. Incomoda. Eu várias vezes me disse “é por isso que eu não namoro, é por isso que eu não namoro”. Ontem eu me disse isso antes dele chegar. Mas ele veio. Eu disse que não estava a fim, que ontem o dia tinha sido pesado, que eu estava cansada, que eu não estava a fim. Ele insistiu. Em fechar a porta, em apagar a luz, que eu tirasse o casaco. Eu não quis. Eu queria que ele ficasse, mas queria também que me deixasse em paz. Queria algo que ele não tinha para me oferecer. E aí, o problema é de quem? Depois de muitas vezes dizendo, “sério, eu não estou legal” ele parou e olhou para mim. Disse que ficaria chateado, que isso não se fazia. Perguntou se eu sempre fazia as coisas só por mim, nunca pelos outros. Eu pedi desculpas. Ele voltou a me beijar. Eu estava chorando. Até que levantei. Fechei meu shorts. Ele disse que era hora de ir embora. Me falou que “só queria que a minha sexta fosse tão boa quanto a que ele tinha planejado para ele”. Não sei se estava mesmo chateado – ele brinca o tempo todo, com tudo. Disse que não era motivo eu ficar assim por causa de uns garotos babacas, que queria fazer meu dia valer a pena e que eu não deixava. Eu só queria poder chorar um pouco. Eu acho que tinha esse direito. “Você não pode deixar eles acabarem com seu dia”. Mas eles acabaram com meu dia. Eu fiquei mal, fiquei arrasada, me senti invadida. Ele dizia que entendia, mas mostrava que não.

“Você faz, sempre, as coisas só para você? Nunca para os outros?”.

Lembrei de uma paciente do CAPS, no estágio de psicopatologia. Ela surtou quando lhe perguntaram sobre uma boneca. E eu perdi a linha com uma pergunta. Não era sobre sexo. Não era sobre ceder ou não qualquer coisa para ele. Ele me mostrou o quanto eu sou egoísta, pior que todo mundo.

“Você faz, sempre, as coisas só para você? Nunca para os outros?”. Essa pergunta não me saiu mais da cabeça – continua batendo aqui como quem vai rachar uma parede. E eu acordei hoje mais certa do que nunca que devia ir embora. De novo. Sair daqui. Tentando me convencer de que ir para outro lugar resolveria. Quando na verdade eu sinto mesmo é que eu não sou para esse mundo.

Sobre o que fica depois de tudo

No primeiro dia pensei em me matar. No segundo, em virar padre. No terceiro, em beber até cair. No quarto, pensei em escrever uma carta para Marcela. No quinto, comecei a pensar na Europa e no sexto comecei a sonhar com as noites em Lisboa. Em seis dias Deus fez o mundo e eu refiz o meu.

- Memórias póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis

sábado, 3 de setembro de 2016

De mais silêncio.

Ele perguntou... "Você nunca faz nada pelos outros, só por você?"

Silêncio.