Hoje eu queria deixar algumas palavras sobre meu processo de recuperação. Muita coisa tem mudado em minha vida desde que aceitei entrar em um processo de recuperação com relação a meus transtornos alimentares e sei o quanto é importante ler coisas assim quando ainda não se é possível pedir ajuda. Pois os transtornos alimentares nos fecham em quatro paredes de um inconsciente que é capaz de nos levar ao fim. Não precisa ir muito longe, e para isto basta uma pesquisa rápida no Google, para poder ver casos extremos de pessoas cujo T. A levou ao fim. Eu não sou um destes casos, por isso hoje posso falar sobre isto com lágrimas nos olhos, mas sei que quase fui, que precisei chegar muito longe para conseguir abrir os olhos para a desgraça que um T. A. é na vida de uma pessoa.
Tudo começou há vários anos. Eu sempre fui uma criança gordinha e me incomodava muito: gordinha, de óculos de grau e aparelho ortodôntico. Para completar era a nerd, filha da professora. Hoje o nome disso é bullying, mas na época era somente zoação. As primeiras "paixões adolescentes" vieram tarde, nunca consegui me achar bonita e claro que isso levava a uma encanação gigante. Chegando à adolescência, ainda era conhecida pelas notas altas, a aluna exemplar, mas nunca fui bonita o suficiente, ou interessante o suficiente. Claro que rolavam umas "ficadas", mas "eu era gordinha" e tudo acabava aí. Com 12, 13 anos, descobri que existia bulimia e que com ela eu poderia comer o que quisesse e ainda assim emagrecer. Acompanhando isto, sempre esbanjando nos exercícios. Muitos quilômetros de corrida por dia. Foram aí que os excessos começaram. E desde então progrediram. No ensino médio comecei a perder peso. Evitava os momentos de refeições e corria muito. Chorava e vomitava. Perdia o sono no meio da noite, com fome. A primeira perda de peso. A anorexia chegava sem pedir licença. Tirou meu mundo. Tirou meus amigos, minha família, meus sonhos. Veio a faculdade, entrei no curso tão sonhado - Psicologia na Estadual. Muita mudança: de cidade, de amigos, longe da família, morando praticamente sozinha. No segundo ano da graduação o aumento de peso, pré-obesidade, ansiedade. E depois, bulimia. Forte, intensa. Depois dos jantares, dos lanches, cafés, almoços. Depois de tudo e qualquer coisa. O medo, a vergonha, o desespero, acompanhavam. Comecei a ler coisas, a ver fotos - muitas vidas se perderam, e eu não podia contar nada, para ninguém. Não contei. Até que a culpa, o remorso e a vergonha eram tanto que eu decidi que não queria mais e portanto a única coisa a fazer era parar de comer, pois assim eu não precisaria vomitar. E foi o que fiz. Durante dois meses tudo muito escondido. Oito quilos a menos, roupas imensas, falta de disposição, dificuldade de concentração, mentiras atrás de mentiras. Ainda ninguém sabia. Até que começaram os desmaios. Foi preciso dois grandes sustos: um desmaio na Clínica, durante supervisão, uma ida ao médico, duas conclusões: se eu não parasse de vomitar meus níveis de potássio ficariam tão baixos que meu coração pararia sem avisar; e se eu não comesse meu corpo ficaria tão fraco que meu cérebro deixaria de dar pequenos "clicks" de desligar e desligaria de vez. E foi aí que eu contei. Primeiro procurei ajuda em grupos anônimos na internet, onde eu não precisaria dizer quem era, apenas que pedia socorro. Foi o primeiro grande passo para então poder contar para uma amiga, depois para outra, depois para minha mãe. Foi aí o momento que eu mais precisei de ajuda e claro que o fato de ter várias amigas psicólogas ajudou muito, pois sei que outras amigas teriam desistido de me convidar para convites recusados, de ouvir e fingir que não ouviram minhas mentiras, minhas tentativas de enrolá-las. Elas nunca desistiram de mim: choraram comigo, tiveram medo de me perder, comemoraram cada um de meus passos positivos. Incentivaram-me a buscar e confiar em uma terapeuta e ela foi determinante para me manter viva. Por consequência, graças ao seu suporte consegui procurar uma nutricionista e ela foi tão importante quanto a psicóloga, à sua maneira. No grupo de ajuda, encontrei toda a ajuda do mundo: é incrível como fica mais fácil quando você sabe que o olhar do outro é de fora, mas também é de dentro, que aquelas pessoas te entendem!
É claro que tudo continua sendo muito difícil, claro que não é simples ter que reconhecer para a sua terapeuta ou nutricionista que tudo o que vocês combinaram foi água abaixo porque vomitou várias vezes durante a semana ou porque chorou diante de mais uma refeição que se sente incapaz de fazer. Mas que ainda assim fez, e não vomitou no dia seguinte. Que é passo por passo. Que é conquista atrás de conquista e alguns tombos feios pelo caminho. Mas que você sobreviveu. Que é uma guerreira, como minha terapeuta me fez ver em uma das últimas sessões de terapia, que achava que era incapaz, mas que venceu. E que deve se reconhecer por isso também, que deve dizer a si mesma que está vencendo tudo isso, que é uma sobrevivente de um T. A. e que mesmo que haja escorregões, eles não são recaídas.
É uma questão de acordar todos os dias, abrir os olhos e dizer: eu posso fazer isto! Porque fui tão amada que não desistiram de mim, mesmo em meio a tantas mentiras descaradas, tanto silêncio em meio a lágrimas e nenhuma palavra; e que por acreditarem tanto em mim me fizeram acreditar também.
Com isso quero dizer duas coisas: a primeira é que se você se identifica com essa história, tenha medo, porque ele pode te salvar, e confie em alguém. Esse alguém poderá te ajudar a ficar mais consciente das loucuras que o T. A. te leva a fazer, e quando ele não for mais segredo perderá a força. Muitas vezes achamos que nós que estamos no controle ao selecionarmos o que vamos ou não comer, quando comer ou não comer; mas na verdade é o T. A. que está controlando e te levando à infelicidade e infelizmente à morte. E a segunda coisa é que se você identifica ou suspeita que alguém conhecida esteja passando por isso, não desista desta pessoa. Ela precisa muito de você!
E é por isso também que me coloco à disposição. Escrevam, deixem recado! Eu retorno. Sei o quanto isso é difícil e necessário!
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