Frida Kahlo foi uma das mais ilustres artistas do século XX. A pintura nasceu e viveu no México e, por meio de sua arte, expressa toda a fragilidade do ser humano, sendo que suas criações são atuais ainda hoje.
Frida é simples. Simples pela autenticidade de suas obras, que em verdade não têm nada de simples, mas que são de uma simplicidade sem igual. Com sua arte, Frida retrata a aproximação entre a arte e a angústia do ser humano. Parece que sua arte foi, em verdade, uma forma de elaboração de suas próprias dores e lutos – da infância difícil, da adolescência vazia, do acidente trágico no bonde, da paixão que não é correspondida, da arte que não se faz compreendida.
Em seus quadros, Frida retrata sua vida antes e após o acidente fatídico que a deixou acamada por um bom tempo e com a mobilidade reduzida, embora sem nunca ter deixado de tocar a todos com o que tinha de mais potente: uma tela e algumas tintas e pincéis, além de uma mente à frente do seu tempo. E é com eles que Frida encanta e desencanta – denuncia as incongruências sócio-políticas vividas por toda uma geração. Com sua obra, Frida nos passa uma mensagem. Ela nos prepara para anos difíceis que ainda estariam por vir, tempos em que sofrem muito aqueles que são sensíveis, que assumem diante da vida uma postura um pouco mais aberta e acolhedora. Em sua vida, a expressão artística entra de maneira mais incisiva justamente em um momento de convalescença e torna-se a razão do próprio existir. A dor lhe dá sentido ao fazer sentir. Frida dói. Por dentro, por fora, nos ossos, na alma e no coração. Frida sobre e é por sofrer que vive.
Embora a princípio a arte seja para ela a expressão de uma atitude narcísica, expressão individual e individualista de suas próprias dores, ela não deixa de tocar a todos que a apreciam, na posterioridade, por dar forma àquilo que é capaz de desintegrar e dilacerar ao construir um sujeito. Suas obras se compõem através de cores, formas e palavras. Frida pode, assim, aventurar-se em recomposições de sua forma, buscando a integridade de sua própria imagem.
O mais brilhante, no entanto, é a acessibilidade com que escreve sua história aliando pintura e escrita, a exemplo seu Diário, um verdadeiro romance traçado por fragmentos, por frases, por insights, despropositados e tão propositivos. Eles orientam e dão legitimidade às vivências de sua autora. Frida sofre e, porque sofre, cria e produz o belo da Arte, aquilo que de mais puro ela pode oferecer: sua Alma em cores e riscos. Há um lirismo que intercambia escrita e imagem. Ou seja, Frida recorre à escrita poética desde sempre para retratar a si mesma. Seu diário parece ser apenas uma consequência, dá continuidade histórica à necessidade precoce apresentada pela pintora, de viver e reviver sob a escrita poética. Curioso é que ela não deixa de lado também a autenticidade da biologia humana, pois sabe retratar o próprio corpo e seus detalhes de forma nua e crua sem, no entanto, se fazer grosseira ou superficial.
E, é em um balé contemporâneo e surrealista que Frida trilha passos leves e repletos de encantos, encantando espectadores, entre formas, cores e palavras. Talvez não se tenha ainda vivido outra artista tão completa quanto Frida, em termos de releitura poética da realidade: Frida denuncia o Estado opressor e machista de sua época, ao mesmo tempo em que emana o que há de mais belo na cultura mexicana. Frida é capaz de resgatar a arqueologia e a arte indígena, como desejou seu pai, ao mesmo tempo em que reelabora conflitos pessoais e coletivos atuais de toda uma geração, ligando-os à sua própria experiência, nas formas da tradição mexicana. Tudo isto se faz presente nos motivos, cores e formas traçados pelos dedos de Frida. Dedos quentes, dedos soltos, dedos mortos.
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