terça-feira, 5 de abril de 2016

Casulo de Fogo


Desde criança aprendemos a valorizar nossos sonhos. Em casa, quando surgiram os primeiros livros de histórias, eles não eram sobre as princesas (obrigada, mãe!) nem tinham em suas histórias castelos, reinos encantados ou príncipes que chegavam em cavalos brancos. Eu nunca tive uma festa com tema da Cinderela. Meu vestido de 15 anos foi preto e cheio de paetê. Os primeiros livros de historinhas de que me lembro eram de uma coleção com os animais da Amazônia e outro com 365 histórias, uma para cada dia do ano. O conteúdo era, primeiramente, informativo. Depois, eram histórias fantásticas de animaizinhos pequenos que se embrenhavam em matagais e ortigueiras com planos geniais que os tirariam das mais difíceis situações. Outra história que me ensinou a sonhar, e da qual tenho trechos de cor na mente até hoje foi Mulan. Eu e meu irmão ganhamos um livro colorido com a história em CD. O dele era do Hércules, o meu era da Mulan. E não é que Mulan me fez sonhar? Ela mostrou que eu poderia ser o que eu quisesse ser e me deu a certeza de que eu seria capaz de fazer o que fosse preciso para encontrar minha “honra”. Hoje, quase 20 anos depois, “minha honra” na verdade se transformou em “meus sonhos”. A princesa guerreira me mostrou, assim como as mais distintas situações que vivi em meu dia a dia, que só encontra sua honra aquele que desce do castelo e luta com as espadas em punho. A luta não é fácil, muito menos dá tréguas. É diária, faz parte do cotidiano.

Quando se tem um sonho pelo qual se quer lutar, as pessoas são capazes de tudo, menos de esquecer esse sonho, ou deixa-lo para lá. Eu não sou. Acho que nunca vou ser (obrigada mãe, de novo!). Mesmo que por algum tempo eu me afaste deles, deixe-os de lado, fechados em uma caixinha em algum lugar escuro da vida, mais cedo ou mais tarde eu a pego novamente, abro, cuido, alimento. Eu me dedico a deixar crescer, até onde me for possível levar.
Acreditar nesses sonhos é saber reconhecer que há algumas coisas na vida que fazemos para sobreviver. Mas há outras, mais fortes, intensas, que nos tiram o chão e o ar, e que são aquelas que nos permitem viver. Se, por um lado, a vida me cobrou a responsabilidade de uma mulher adulta que deve se posicionar diante dos fatos e cuidar da casa, estar presente, ser presença, trabalhar, estudar, se sustentar (em todas as possibilidades que isso possa ter), etc. etc. etc.; por outro lado, há também uma alma viva que mantém em si algumas esperanças, que desce constantemente do castelo da profissional, acadêmica, pessoa, que tenta ser exemplar, para por entre as ruelas da plebe trocar o figurino, maquiar a cara e lançar textos ao vento, para quem estiver disposto a ouvir.
O quanto eu sinto – e lamento mesmo! – por ter acreditado quando me diziam que “a gente vive em um país em que é impossível viver de arte”! O quanto eu sinto por não ter me esforçado mais, querido mais, tentado mais, sim, “viver de arte” nesse país em que “não se vive de arte”. Então agora, momento bem concreto em que me vejo voltando aos meus sonhos e deixando um pouquinho de lado o que sonharam para mim, é que eu vejo o quanto eu sou feliz. O quanto algo tão “pequeno”, que “não dá dinheiro”, me oferece tanto de vida. Se hoje não sobrevivo de arte, eu vivo – e não há nada mais que eu espere disso.
É com base nesses sonhos sonhados e, agora, vividos, que surge “Casulo de Fogo”. Sob o título original de “Laranja-fogo. Cor-de-céu”, o texto é um projeto que surgiu coletivamente em 2013. A primeira encenação aconteceu naquele mesmo ano, um ano conturbado na minha vida pessoal, e que demarca em muito a pessoa que já cheguei a ser. Depois, foi ao ar pelo site do Núcleo de Dramaturgia SESI/Teatro Guaíra, e ficou arquivado em uma dessas caixinhas dos cantos escuros da vida. Até que no final de 2015 o projeto voltou a ser sonhado. Nesse final de ano encontrei Rodrigo Carvalho, diretor da atual montagem, que já trazido por outros carnavais, topou o desafio comigo e, logo em seguida, trouxe Marina Bari para complementar esse trabalho tão especial. Tentando “viver de arte” no país do futebol, sem qualquer incentivo financeiro por parte de qualquer instituição pública ou privada, Casulo de Fogo renasce das cinzas, assim como o próprio roteiro diz, para recriar vidas – principalmente a minha própria – e assumir a sua função: “ninguém jamais escreveu ou pintou, esculpiu, modelou, construiu ou inventou senão para sair do inferno” (Antonin Artaud).

Casulo de Fogo, exerça sua cura! Evoé!

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