Na segunda-feira de Carnaval uma moça foi assaltada. Ele lhe deu uma facada no peito e que atingiu a aorta. Ela não tinha participado de nenhum bloco de Carnaval. Ela não estava bêbada. Ela não estava drogada. Ela não estava usando shorts curto, nem blusinha com a barriga de fora. Ela não estava em lugar ermo, nem era de madrugada. Era 19h30 da noite. Ela ia jantar com as amigas de infância que vieram passar o Carnaval no Rio. Ela não havia participado das festas com as amigas. Elas iam jantar. Um programa desses, família. Mas ela não chegou. Porque levou uma facada no peito esperando um Uber na frente de seu prédio. Até aí, tudo certo. Certo? Mas descobriram o seu erro: ela pegou o celular na mão. Ela deu mole. Por isso ela levou uma facada no peito. Ela tinha tudo para estar morta. Porque pegou o celular na mão, as 19h30 de uma segunda-feira de Carnaval enquanto esperava em frente ao seu prédio um Uber para ir jantar com amigas de infância num programa desses, bem família, sabe? Ela cometeu um erro. Deu mole.
Foi isso que ela ouviu. Que ela deu mole, por isso lev...
Nossa sociedade está doente. Porque essa moça foi vítima, mas conseguiram encontrar motivos para justificar o que aconteceu com ela. Não, conseguiram encontrar motivos para justificar que uma tragédia só aconteceu com ela porque ela errou. “Eu não uso celular na rua. Isso nunca vai acontecer comigo”. Nós criamos carapuças e cascas para nos protegermos das tragédias que nós mesmos inventamos. Criamos meios de nos protegermos numa falsa ilusão de que não cometemos os mesmos erros que os outros e nessa de não cometer os mesmos erros que os outros nos convencemos de que viver é errado. De que o certo é se proteger na casca e na carapuça, é não dar mole nunca. Se proteger é conseguir ver onde o outro errou e se garantir de que está fazendo diferente. Sim, chegamos a este ponto. Nos convencemos com nossas mentiras diárias para nos convencermos de que existe ainda um viver.
Mas olha, meu irmão, o caso é que não é a roupa. Não é o lugar ermo. Não é porque é uma mulher contra um homem. Não é porque ela estava andando a pé no meio da madrugada. Não é a festa, a bebida, o celular. O caso é que banalizamos a vida e justificamos que qualquer passo em falso na esquina é contra o fluxo. Precisamos apontar os erros dos outros para dizer que nunca vamos errar, porque fazemos diferente. E vamos, até o fim, procurar o que há de diferente entre o eu e o outro. O caso é que viemos pouco a pouco nos conformando com ter perdido nossa humanidade em troca de nos defendermos de tudo que ameace nossa ilusão de segurança.
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