Hoje ela saiu meio cansada. Joana quase nunca é daquelas
pessoas animadas, que acordam cedo, fazem tudo, e saem de casa com um sorriso
no rosto, cumprimentando todos os vizinhos que vão encontrando pelo caminho.
Mas quase nunca é também daquelas que não abrem a boca nunca, andam cabisbaixas
ou têm um desinteresse furtivo pelo mundo. Joana é mais ou menos. É na medida.
Nem tudo aquilo, nem tudo isto. Mas hoje? Ah, hoje ela acordou com uma áurea
diferente. Ela caminhou meio sem rumo e sequer parou para observar as vitrines dos
óculos de sol. Dos vestidos. Dos anéis que ela nunca vai ter interesse em comprar. Ela não demonstrou qualquer interesse em ler os cartazes de
promoção do hortifruti, nem perdeu a paciência com qualquer conversa sem graça
de um ou outro grupo desses do whatsapp. Joana acordou displicente e
assim seguiu o dia. Almoçou qualquer coisa sem graça – o que ela não lembra. Saiu
de um restaurante medíocre porque pouco lhe interessava a fachada. Andou como
tantas outras pessoas medíocres que ela encontra dia a dia enquanto caminha
pela rua, sob o sol quente do meio dia. Transpira como todo mundo na saída do
trabalho, nessa cidade em que não faz frio nunca. Alguma coisa mudou em Joana nos
últimos dias. Ela perdeu o brilho, perdeu as cores, voltou a usar
preto-branco-cinza. Sequer a vida lhe parece mais cinza. É preta. Preta como
nunca antes vira.