quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Destilando

Coração apertando de novo... Aquele desespero ao perceber que estou comendo seis refeições ao dia, que estou dizendo que vou pegar mais leve na academia. É uma força contrária, forte e difícil de não ouvir, mesmo que eu me esforce muito. Sei que mais uma vez a insatisfação com meu corpo é só reflexo da insatisfação com todas as outras pilhas de coisas que não estão legais na minha vida, com o trabalho com o qual não me identifico, com as brigas em casa, com a decepção de ter voltado e o medo de não ser aprovada no mestrado. Aí volto tudo para meu corpo, que não tem nada a ver com a história, com o qual estou super de bem, com meus quilos, minhas medidas, meus percentuais de gordura. Mas ainda assim achando que estou gorda, que estou engordando e que tudo seria diferente se não fosse assim. Doce ilusão.

sábado, 18 de janeiro de 2014

Sobre minha recuperação

Hoje eu queria deixar algumas palavras sobre meu processo de recuperação. Muita coisa tem mudado em minha vida desde que aceitei entrar em um processo de recuperação com relação a meus transtornos alimentares e sei o quanto é importante ler coisas assim quando ainda não se é possível pedir ajuda. Pois os transtornos alimentares nos fecham em quatro paredes de um inconsciente que é capaz de nos levar ao fim. Não precisa ir muito longe, e para isto basta uma pesquisa rápida no Google, para poder ver casos extremos de pessoas cujo T. A levou ao fim. Eu não sou um destes casos, por isso hoje posso falar sobre isto com lágrimas nos olhos, mas sei que quase fui, que precisei chegar muito longe para conseguir abrir os olhos para a desgraça que um T. A. é na vida de uma pessoa.
Tudo começou há vários anos. Eu sempre fui uma criança gordinha e me incomodava muito: gordinha, de óculos de grau e aparelho ortodôntico. Para completar era a nerd, filha da professora. Hoje o nome disso é bullying, mas na época era somente zoação. As primeiras "paixões adolescentes" vieram tarde, nunca consegui me achar bonita e claro que isso levava a uma encanação gigante. Chegando à adolescência, ainda era conhecida pelas notas altas, a aluna exemplar, mas nunca fui bonita o suficiente, ou interessante o suficiente. Claro que rolavam umas "ficadas", mas "eu era gordinha" e tudo acabava aí. Com 12, 13 anos, descobri que existia bulimia e que com ela eu poderia comer o que quisesse e ainda assim emagrecer. Acompanhando isto, sempre esbanjando nos exercícios. Muitos quilômetros de corrida por dia. Foram aí que os excessos começaram. E desde então progrediram. No ensino médio comecei a perder peso. Evitava os momentos de refeições e corria muito. Chorava e vomitava. Perdia o sono no meio da noite, com fome. A primeira perda de peso. A anorexia chegava sem pedir licença. Tirou meu mundo. Tirou meus amigos, minha família, meus sonhos. Veio a faculdade, entrei no curso tão sonhado - Psicologia na Estadual. Muita mudança: de cidade, de amigos, longe da família, morando praticamente sozinha. No segundo ano da graduação o aumento de peso, pré-obesidade, ansiedade. E depois, bulimia. Forte, intensa. Depois dos jantares, dos lanches, cafés, almoços. Depois de tudo e qualquer coisa. O medo, a vergonha, o desespero, acompanhavam. Comecei a ler coisas, a ver fotos - muitas vidas se perderam, e eu não podia contar nada, para ninguém. Não contei. Até que a culpa, o remorso e a vergonha eram tanto que eu decidi que não queria mais e portanto a única coisa a fazer era parar de comer, pois assim eu não precisaria vomitar. E foi o que fiz. Durante dois meses tudo muito escondido. Oito quilos a menos, roupas imensas, falta de disposição, dificuldade de concentração, mentiras atrás de mentiras. Ainda ninguém sabia. Até que começaram os desmaios. Foi preciso dois grandes sustos: um desmaio na Clínica, durante supervisão, uma ida ao médico, duas conclusões: se eu não parasse de vomitar meus níveis de potássio ficariam tão baixos que meu coração pararia sem avisar; e se eu não comesse meu corpo ficaria tão fraco que meu cérebro deixaria de dar pequenos "clicks" de desligar e desligaria de vez. E foi aí que eu contei. Primeiro procurei ajuda em grupos anônimos na internet, onde eu não precisaria dizer quem era, apenas que pedia socorro. Foi o primeiro grande passo para então poder contar para uma amiga, depois para outra, depois para minha mãe. Foi aí o momento que eu mais precisei de ajuda e claro que o fato de ter várias amigas psicólogas ajudou muito, pois sei que outras amigas teriam desistido de me convidar para convites recusados, de ouvir e fingir que não ouviram minhas mentiras, minhas tentativas de enrolá-las. Elas nunca desistiram de mim: choraram comigo, tiveram medo de me perder, comemoraram cada um de meus passos positivos. Incentivaram-me a buscar e confiar em uma terapeuta e ela foi determinante para me manter viva. Por consequência, graças ao seu suporte consegui procurar uma  nutricionista e ela foi tão importante quanto a psicóloga, à sua maneira. No grupo de ajuda, encontrei toda a ajuda do mundo: é incrível como fica mais fácil quando você sabe que o olhar do outro é de fora, mas também é de dentro, que aquelas pessoas te entendem!
É claro que tudo continua sendo muito difícil, claro que não é simples ter que reconhecer para a sua terapeuta ou nutricionista que tudo o que vocês combinaram foi água abaixo porque vomitou várias vezes durante a semana ou porque chorou diante de mais uma refeição que se sente incapaz de fazer. Mas que ainda assim fez, e não vomitou no dia seguinte. Que é passo por passo. Que é conquista atrás de conquista e alguns tombos feios pelo caminho. Mas que você sobreviveu. Que é uma guerreira, como minha terapeuta me fez ver em uma das últimas sessões de terapia, que achava que era incapaz, mas que venceu. E que deve se reconhecer por isso também, que deve dizer a si mesma que está vencendo tudo isso, que é uma sobrevivente de um T. A. e que mesmo que haja escorregões, eles não são recaídas.
É uma questão de acordar todos os dias, abrir os olhos e dizer: eu posso fazer isto! Porque fui tão amada que não desistiram de mim, mesmo em meio a tantas mentiras descaradas, tanto silêncio em meio a lágrimas e nenhuma palavra; e que por acreditarem tanto em mim me fizeram acreditar também.
Com isso quero dizer duas coisas: a primeira é que se você se identifica com essa história, tenha medo, porque ele pode te salvar, e confie em alguém. Esse alguém poderá te ajudar a ficar mais consciente das loucuras que o T. A. te leva a fazer, e quando ele não for mais segredo perderá a força. Muitas vezes achamos que nós que estamos no controle ao selecionarmos o que vamos ou não comer, quando comer ou não comer; mas na verdade é o T. A. que está controlando e te levando à infelicidade e infelizmente à morte. E a segunda coisa é que se você identifica ou suspeita que alguém conhecida esteja passando por isso, não desista desta pessoa. Ela precisa muito de você!
E é por isso também que me coloco à disposição. Escrevam, deixem recado! Eu retorno. Sei o quanto isso é difícil e necessário!

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Toda dose de Amor

Não consigo explicar muito bem. De vez em quando toma conta. Invade o meu dia, meu trabalho, meu sono, minha vida. De vez em quando toma conta de tudo e transforma minha vida, em geral morna e vazia, numa completa euforia que se dissipa no ar em estrelas de fogo coloridas. Que ardem, que queimam, que ofuscam minha imagem no espelho. E assim, de repente, de tudo bem vai a tudo mal, de tudo ok a tudo péssimo, a um "quero mudar". E aí voltam as crises, os medos, as ansiedades, as crises de identidade. Psicóloga, trabalhadora, irmã, atriz, persistente - ou um corpo encaixado em uma forma gorda que transcende através do espelho, que gruda nas paredes, que engole seus crimes todas as noites. Aquela bolacha, a colher de açúcar, o doce de leite, a barra de chocolate, o restante da taça de amor próprio derramado sobre a mesa de madeira bruta.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Terminei indo...

Eu estou indo também... Confesso que esperava um começo de ano melhor... Tanta mudança não me deixou começar com ele tão bem quanto eu gostaria, mas certamente está sendo muito melhor do que poderia ser. Serei sincera para dizer que é claro que eu gostaria que as coisas tivessem sido diferentes, eu não queria ter voltado para morar em casa, meu humor está sempre péssimo, estou descontando na minha família que não tem culpa de nada. Minha vida tem sido do trabalho para a academia e de lá para o meu quarto estudar, todo dia. Sinto falta de ter amigos, de longas conversas - onde estão todas aquelas pessoas? Se agora parece que eu sou sozinha... De vez em quando bate o desespero de achar que eu não vou conseguir passar no mestrado e que vou ficar por aqui o ano todo, indo todo dia para um trabalho que me distrai, mas que não tem nada a ver comigo; sendo gentil com pessoas que não fazem qualquer sentido para mim, frustrada por não ter conseguido a única coisa que eu queria enquanto profissional.

Mas é isso que vou topando viver e de toda forma tenho enfrentado... Topei o tratamento nutricional e estou me esforçando muito para fazer tudo certinho. As crises compulsão-vômito-exercício-inanição têm sido muito menos intensas e frequentes, então acho que está valendo a pena. Sem falar que indiretamente estou tendo imensos benefícios. E vou me dedicando para o mestrado... Mas mais do que isso estou com muita fé de que vai dar certo - nem que seja só um gritar para mim mesma "tem que dar"!

A vida é uma caixinha de surpresas.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Te vi no escuro

Pensa, por exemplo, mais na morte - & seria estranho em verdade que não tivesse de conhecer por esse fato novas representações, novos âmbitos da linguagem.

 - Wittgeinstein, in José Saramago, As intermitências da morte.