sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Partículas do Grande Sertão

Coração de gente — o escuro, escuros.
Quem ama é sempre muito escravo, mas não obedece nunca de verdade.
Querer o bem com demais força, de incerto jeito, pode já estar sendo se querendo o mal por principiar.
No sistema de jagunços, amigo era o braço, e o aço! 
Amigo, para mim, é só isto: é a pessoa com quem a gente gosta de conversar, do igual o igual, desarmado. O de que um tira prazer de
estar próximo.
Só isto, quase; e os todos sacrifícios. Ou — amigo — é que a gente seja, mas sem precisar de saber o por quê é que é.
O amor? Pássaro que põe ovos de ferro.
Vivendo, se aprende; mas o que se aprende, mais, é só a fazer outras maiores perguntas.
A colheita é comum, mas o capinar é sozinho.
(...)
Julgamento é sempre defeituoso, porque o que a gente julga é o passado.
O que lembro, tenho. 
Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende.  
Quem mói no asp'ro não fantaseia. 
Quando se curte raiva de alguém, é a mesma coisa que se autorizar que essa própria pessoa passe durante o tempo governando a idéia e o
sentir da gente. 
Vingar... é lamber, frio, o que outro cozinhou quente demais.
Quem sabe do orgulho, quem sabe da loucura alheia?
Ser chefe — por fora um pouquinho amargo; mas, por dentro, é risonhas flores.
Um chefe carece de saber é aquilo que ele não pergunta.
Comandar é só assim: ficar quieto e ter mais coragem.
Toda saudade é uma espécie de velhice.
Um sentir é do sentente, mas outro é do sentidor.
Tudo é e não é.
Mocidade é tarefa para mais tarde se desmentir.
Sertão é onde manda quem é forte, com as astúcias.
O sertão é do tamanho do mundo.
Sertão é dentro da gente.
O sertão é sem lugar. 
O sertão é uma espera enorme.
Sertão: quem sabe dele é urubu, gavião, gaivota, esses pássaros: eles estão sempre no alto, apalpando ares com pendurado pé, com o olhar remedindo a alegria e as misérias todas.
A vida é ingrata no macio de si; mas transtraz a esperança mesmo do meio do fel do desespero.
A vida é muito discordada. Tem partes. Tem artes. Tem as neblinas de Siruiz. Tem as caras todas do Cão e as vertentes do viver.
Manter firme uma opinião, na vontade do homem, em mundo transviável tão grande, é dificultoso.
Viver — não é? — é muito perigoso. Porque ainda não se sabe. Porque aprender-a-viver é que é o viver mesmo.
Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é questão de opiniães...
Feito flecha, feito fogo, feito faca.
Vi: o que guerreia é o bicho, não é o homem.
Até que, um dia, eu estava repousando, no claro estar, em rede de algodão rendada. Alegria me espertou, um pressentimento. Quando eu olhei, vinha vindo uma moça. Otacília. // Meu coração rebateu, estava dizendo que o velho era sempre novo. Afirmo ao senhor, minha Otacília ainda se orçava mais linda, me saudou com o salvável carinho, adianto de amor.

- Guimarães Rosa.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Gritos em silêncio

A ambivalência de uma tentativa de suicídio só pode ser vista pelo grito de socorro que sucede (e certamente antecede) o ato. Vozes roucas que não se calaram e que, portanto, podem se fazer ouvir, porque "viver é muito perigoso; e não é não. Nem sei explicar estas coisas. Um sentir é o do sentente e o outro é o do sentidor" (Rosa, 1994, p. 439).

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Pedacinho de você

Um olhar calado, como de quem observa.
Ou talvez, mesmo, não queria entender nada porque não lhe interessava.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Noite gelada

Pedem respostas, mas cobram silêncio. Como em um grito, um grito que fica preso na garganta e arde feito fel. Cobram sorrisos, mas semeiam lágrimas escondidas na fronha do lençol. Soluços e bravejos em noite de terça-feira. Sussuros e grotejos em manhã geladas de outono. Uma meia no pé. O outro, descoberto, sente a relva que entra doce pela fresta da janela. Em meio a tanto ódio e remorso, um rugido, feito fera desperta. Xinga, braveja. Fora, certa vez, suficientemente forte para viver e acordar sozinha.

domingo, 21 de outubro de 2012

Páginas de silêncio

Mas então essas coisas, essas pessoas, viram uma linguagem muda. E eu a história que nela se calou.