quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Gritei.

Era uma recém-chegada. Pouco mais um mês que havia se mudado para a grande cidade e lhe fazem um convite para um festa. Foi de um cara que ela conheceu em uma reunião de colegiado da pós. Ele era aluno do doutorado. Encontraram-se pela primeira vez na segunda reunião de que participou. Ele sentou bem à sua frente e olhava muito, mas ela fingiu que não era com ela e deixou para lá. No entanto, quando saiu da sala o encontrou no corredor. Ele puxou assunto. Perguntou seu nome, se apresentou e perguntou se eu precisava de alguma coisa. Disse que ia rolar uma festa no final de semana e se ela não gostaria de ir? Achou gentil, não queria ser mal educada, ele pareceu solícito. Agradeceu e trocaram telefones.

Ele ligou no final da semana e a chamou para o sábado. Disse que era formatura de uma turma de alunos da pós em que ele dava aula e que seria legal, perguntou se ela não queria ir. Acabou aceitando. Ela estava sozinha, recém-chegada. Tudo novo. E queria conhecer a cidade. Combinaram que ele a esperaria na Praça e chegou logo depois dela. Sozinho. Foram caminhando, fizemos um tour pelo Rio antigo e ela adorou. Chegaram à Lapa e ele displicentemente disse que os alunos não puderam ir e o jantar foi desmarcado, mas que podíam aproveitar, de toda forma. Ela achou estranho, mas não reclamou, nem disse que queria voltar. Ele perguntou se estava com fome e comeram uma pizza. Logo em seguida foram a outro bar, um que ele queria lhe mostrar. 

Ele já tinha bebido uma cerveja, e pediu uma tequila. Ela recusei novamente. Ficaram um pouco e ela já queria ir embora. Ele pediu para ficar mais um pouco e em uma brincadeira lhe beijou. Ela ficou assustada, perguntou o que é que ele estava fazendo. Mais uma vez disse que queria ir embora. Ele quis ir em outro bar, disse que após ela escolher e eles beberem alguma coisa lá voltariam. Ela escolheu um qualquer e ele insistiu para que provasse aquela tequila. Ela bebeu uma dose. Duas doses. Foi o suficiente. Sentia-se tonta e acabou ficando com ele. Intenso demais. Bem mais do que gostaria e estava acostumada. Nisso já eram três horas da manhã. Trocaram o ponto de ônibus pelo táxi. O endereço não era o dela. Julgou ter sido o dele e apenas avisou ao motorista para ir à sua rua primeiro. Foi quando ele disse que queria ficar mais um pouco com ela. Ela recusei. Ele insistiu. Muito, muito, muito. Ela disse não, muitas vezes, mas cansou. Foi vencida pelo cansaço. Apenas lhe disse: você não vai me fazer fazer o que eu não quiser? Ele ficou ofendido. Foram para um motel. Ela se sentia mal – por ter ido e por achar que se tinha ido tinha que fazer o que é que fosse para ser feito.
Quando saíram, pela manhã, ela estava um lixo. Disse a si mesma que não queria mais vê-lo. 

Viveram uma relação intensa de dominação, vitimismo e opressão, que ela sequer queria. Ele queria que ela acreditasse que era a vítima e a bruxa má da história. Ele queria que ela acreditasse que era culpada. Ele queria que ela acreditasse que foi porque quis. Ele queria que ela acreditasse que foi porque não disse não mais vezes. Ele queria que ela acreditasse que foi porque tinha bebido um pouco. Ele queria que ela acreditasse que foi porque achava que ele estava sendo legal e ela precisava pagar por aquilo. Ele queria que ela acreditasse que foi porque era uma idiota. Ele tem o dobro da idade dela. Talvez mais. E ela tem medo de encontra-lo na rua. Teve medo de que ele fizesse alguma coisa. Teve medo que ele contasse para todo mundo. Ele era o segundo cara com quem ela dormia na vida. Não usou camisinha e nem tomava anticoncepcional. E teve que lidar com aquilo sozinha, porque ele queria que ela acreditasse que a culpa era toda dela. Que fez porque quis.


Mas nunca foi. 

Ela calou seu grito, por medo de estar sozinha e ser tachada de louca.

terça-feira, 4 de outubro de 2016

Sem mais.

"Porque você sente tanto amor, você tem medo de ser despejado."

sábado, 24 de setembro de 2016

Hei, corpo!

Hei, meu bem. Brigamos feio essa semana, hein? Pois é... Acho péssimo falar assim, mas parece que você não escuta o que eu tenho para dizer e então eu fico assim, lutando contra eu mesma. E olha eu aqui não querendo essa culpa para mim, te deixando com todas as responsabilidades dessa bagunça meio escusa que eu sempre crio nos finais infelizes. Enfim, acho que é para dizer, “me desculpe pelos excessos” e ainda assim te responsabilizar. Mais uma vez eu quis me convencer que daria conta de toda a angústia se, de algum jeito, tirasse você do jogo, já que eu não sou capaz de te fazer ser do jeito que eu quero. Não bastasse o teatro, não bastassem as corridas, a academia, peguei pesado com você no ballet e te disse coisas horríveis em pensamento na frente do espelho. Ei, Corpo, te olhei mais do que queria essa semana, e te olhei querendo ver o que eu seria capaz de amar em você, e não o que você é. Eu começo a me convencer de que não sou capaz de te amar como eu gostaria. E tenho me esforçado tanto, tanto. Eu sei que você sente. Valorize minhas tentativas, por favor. Se eu não conseguir convencer a mim mesma, quem eu seria capaz de convencer?

Talvez a grande questão seja o que é que não dá para aceitar em você? O que é isso que parte do intolerável de ser, a ponto de bagunçar a casa e toda a bagunça e a sujeira lá de fora, da rua, irem adentrando pelas portas e pelas janelas escancaradas, pelas frestas. Então me desculpe. Desculpe-me por toda essa exigência, por essas críticas vorazes de falta de empatia, justamente com você. Justamente eu, que tanto condeno essa incapacidade generalizada de enxergar o outro. Eu não te vejo. Eu nunca quis não te querer, pelo contrário eu queria te amar tanto que todo o resto pudesse ser esquecido, ou pelo menos relevado. Eu queria ser capaz de conviver com as suas imperfeições sensíveis só a mim mesma, queria poder lidar melhor com meus braços cheinhos e com minhas coxas musculosas. Queria saber dar conta da minha barriga nem reta nem definida, meio estranha, e que de tão indecisa não é nem uma coisa, nem outra.  Dos meus dedos pequenos, das minhas costas largas e do meu cabelo indefinido, dos meus olhos meio termo, que não são nem castanhos nem verdes, desse coração que me parece tão vazio e de uma cabeça cheia demais. Queria não precisar esconder você dos outros, duvidar tanto do que você é capaz. Queria aceitar os elogios como se aceita uma observação sobre um objeto qualquer. Que a gente nem ama, nem odeia, só simpatiza. Que é ainda pior que os dois primeiros. Quem simpatiza não se envolve com nada. Nem para se doar, nem para repudiar. Não sustento nenhuma tese sobre você. Simpatizar é pior que nada, é mais forte que todo asco que você poderia sentir por alguém que não merece nada. Sobre quem você não consegue ver nada. Além de uma imensa porção de “não insista, não vale a pena”.

terça-feira, 6 de setembro de 2016

"Slackline"

Perdi um pouco a linha hoje. Não deu para segurar. Essa semana toda foi estranha... Muitas coisas acontecendo para pouca disposição de ficar me combatendo o tempo todo. Ontem eu não estava bem... O dia foi cheio e ao mesmo tempo foi pesado. Duas coisas chatas que aconteceram no trabalho me deixaram muito chateada, somado com as 6 aulas que eu dei ontem e tanta coisa se passando na minha cabeça sobre aquilo que eu tenho vivido foram demais para mim. Eu já tinha percebido que não estava legal... Minha irritação ao explicar pela terceira vez a mesma coisa para o meu irmão foi um sinal. Ele perguntando se íamos nos ver mais tarde e eu dizendo que poderíamos, mas que eu estava cansada. As horas passaram e nada. Quando veio uma resposta eu já estava até mesmo cansada demais para reclamar. Ele veio. É um “sexo casual” que se torna rotina. Incomoda. Eu várias vezes me disse “é por isso que eu não namoro, é por isso que eu não namoro”. Ontem eu me disse isso antes dele chegar. Mas ele veio. Eu disse que não estava a fim, que ontem o dia tinha sido pesado, que eu estava cansada, que eu não estava a fim. Ele insistiu. Em fechar a porta, em apagar a luz, que eu tirasse o casaco. Eu não quis. Eu queria que ele ficasse, mas queria também que me deixasse em paz. Queria algo que ele não tinha para me oferecer. E aí, o problema é de quem? Depois de muitas vezes dizendo, “sério, eu não estou legal” ele parou e olhou para mim. Disse que ficaria chateado, que isso não se fazia. Perguntou se eu sempre fazia as coisas só por mim, nunca pelos outros. Eu pedi desculpas. Ele voltou a me beijar. Eu estava chorando. Até que levantei. Fechei meu shorts. Ele disse que era hora de ir embora. Me falou que “só queria que a minha sexta fosse tão boa quanto a que ele tinha planejado para ele”. Não sei se estava mesmo chateado – ele brinca o tempo todo, com tudo. Disse que não era motivo eu ficar assim por causa de uns garotos babacas, que queria fazer meu dia valer a pena e que eu não deixava. Eu só queria poder chorar um pouco. Eu acho que tinha esse direito. “Você não pode deixar eles acabarem com seu dia”. Mas eles acabaram com meu dia. Eu fiquei mal, fiquei arrasada, me senti invadida. Ele dizia que entendia, mas mostrava que não.

“Você faz, sempre, as coisas só para você? Nunca para os outros?”.

Lembrei de uma paciente do CAPS, no estágio de psicopatologia. Ela surtou quando lhe perguntaram sobre uma boneca. E eu perdi a linha com uma pergunta. Não era sobre sexo. Não era sobre ceder ou não qualquer coisa para ele. Ele me mostrou o quanto eu sou egoísta, pior que todo mundo.

“Você faz, sempre, as coisas só para você? Nunca para os outros?”. Essa pergunta não me saiu mais da cabeça – continua batendo aqui como quem vai rachar uma parede. E eu acordei hoje mais certa do que nunca que devia ir embora. De novo. Sair daqui. Tentando me convencer de que ir para outro lugar resolveria. Quando na verdade eu sinto mesmo é que eu não sou para esse mundo.

Sobre o que fica depois de tudo

No primeiro dia pensei em me matar. No segundo, em virar padre. No terceiro, em beber até cair. No quarto, pensei em escrever uma carta para Marcela. No quinto, comecei a pensar na Europa e no sexto comecei a sonhar com as noites em Lisboa. Em seis dias Deus fez o mundo e eu refiz o meu.

- Memórias póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis