quarta-feira, 15 de julho de 2015

Sobre quando me traíres

GILBERTO: Na casa de saúde eu pensava: nós devemos amar a tudo e a todos. Devemos ser irmãos
até dos móveis, irmãos até de um simples armário! Vim de lá gostando mais de tudo! Quantas coisas
deixamos de amar, quantas coisas esquecemos de amar. Mas chego aqui e vejo o quê? Que ninguém
ama ninguém, que ninguém sabe amar ninguém. Então é preciso trair sempre, na esperança do amor
impossível. Tudo é falta de amor: um câncer no seio ou um simples eczema é o amor não possuído!
SEGUNDO IRMÃO: Bonito!
PRIMEIRO IRMÃO: Que papagaiada!
TIO RAUL (Contido): — E, finalmente, qual é a conclusão?
MÃE (Para si mesma): — Meu filho não diz coisa com coisa...
GILBERTO: É que Judite não é culpada de nada! E, se traiu, o culpado sou eu, culpado de ser traído!
Eu o canalha!

 - Nelson Rodrigues, in Perdoa-me por me traíres, p. 25.

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