quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

"Desassossegos sentam na varanda"

Desde de criança uma canção toca meu coração... Na voz de João Chagas Leite, "meus desassossegos sentam na varanda, pra matear saudades nesta solidão. Cada pôr de sol dói feito uma brasa, queimando lembranças do meu coração".

Mesmo quando criança, aprendi a valorizar a tradição gaúcha, de meus pais e avós, que embora pouco vivida por mim, desde sempre foi sentida. Junto com os três beijos para o comprimento, a partilha das rodas de chimarrão, as bombachas de meu avô caminhando pelo gramada do casarão da família de minha mãe. "Queimando lembranças" também ao "matear com a ausência, de quem já se foi". Sem dúvida, aquele "desassossego".

Os tempos mudam. Não tenho mais meus sete anos, nem as bombachas de meu avô correm pelo gramado. As rodas de chimarrão em que se mateia para falar da vida, do vento, da chuva, são cada vez mais frequentes. É tanto "desencanto para um só campeiro, que de tanto amor se desconsolou", que em cada entardecer da vida, "meus desassossegos sentam na varanda".

Aliás, creio que para todos há um certo momento da vida em que "sossego" se torna uma palavra difícil de ser compreendida pelo coração. Ela passa pelas linhas cruzadas do pensamento, dos afetos e das emoções e não diz nada compreensível. Ao menos, nada possível de ser compreendido do ponto de vista da razão. É este aquele momento em que o coração fala mais alto e ainda assim tomar uma decisão é parte delicada do dia e da vida. Engraçado que parece que quanto mais decisões são tomadas, ao longo da vida, mais difíceis são de serem executadas.

Nesses momentos se percebe que na quarta-feira já foram comidos todos os doces a que se teria direito de comer na semana toda. Percebe também que já tirou o esmalte das unhas, que deveriam durar até o sábado. Todos os 35km semanais que habitualmente são corridos já foram percorridos sem nem ao menos se dar conta. Por fim, mas sem parar por aí, dormir na cama e acordar no chão da sala se torna rotina.

Na "adultez" há sempre alguma coisa que desassossega o coração. Não é aquele artigo final que há semanas você ficou de entregar para o orientador. Não é também aquela situação sem solução que faz três dias que você está tentando resolver no trabalho e nem a ligação telefônica que você ainda não fez. Não se trata também de optar por seguir esta ou aquela carreira profissional. Tampouco o desassossego surge do resultado do concurso que não sai. Pois ele já saiu, pois você já resolveu, pois você já "comeu o mundo" em uma lata de brigadeiro e já chorou litros no desespero do medo do futuro. Você já fez sua escolha sobre partir ou ficar, já sabe o que quer e o que acha que deve querer - e só você sabe a confusão danada que essas duas discrepâncias fazem no coração, na vida, no dia a dia.

Só você, que mateia com esses "desassossegos na varanda" sabe que perde a cabeça de vez em quando e que parece que sua outra metade ficou esquecida lá na esquina, enquanto esta metade aqui não quer mais sentir nada.

Sabe, ser adulto também já deve ter lhe ensinado que desistir não é permito, por mais que isso lhe convenha. E, se quiser, se topar, se achar que tem peito para isso, é o momento. Desistir de um grande sonho ou de um simples pesadelo cotidiano que aterroriza seus sonhos há algumas semanas e que insiste em ficar, ficar, ficar, tantas e tantas vezes é um "desassossego" sobre o qual se deve posicionar.

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