quinta-feira, 14 de setembro de 2017

Depois do furacão

Li um texto hoje que dizia que todo mundo devia passar por um furacão, fazendo alusão ao caos do furacão Irma nos Estados Unidos e América Central. O texto dizia que "todo mundo devia passar por um furacão para, por fim, amanhecer em gratidão com o primeiro raio de sol, com um pato que invade o seu quintal, ou com o canto daquele passarinho que, por algum dos muitos milagres da natureza, também sobreviveu". Acho que esse furacão não é apenas literal. Não é só quando tem vento que queima, que manda casas, carros, animais, para os ares e destrói cidades inteiras com sua fúria. Há os outros furacões, tão intensos quanto, mas que passam por dentro da gente. Às vezes até tem um fato bem concreto que acontece e tira a vida da órbita, mexe com os eixos; mas nem sempre. Às vezes só dá um rodopio na cabeça mesmo. Faz um nó na vida da gente. O meu furacão foi esse ano. Um cara passou na minha frente achou que podia me matar para levar o meu celular. E foi o que ele tentou fazer, mas não conseguiu. Eu não morri. Fiquei lá, na calçada na frente da minha casa, sufocando no meu sangue, sob os gritos das minhas vizinhas. Me deixou com 20 dias de CTI e hospital. Me deixou com um monte de cortes no peito e no tórax. Me deixou com dor e morfina para passar a dor. Me deixou com o grito preso na garganta, porque por mais de três meses eu não consegui sentir nada sobre isso. Eu tinha uma dor bem intensa para cuidar. Me deixou com medo de todo mundo e da vida. Me deixou uma família assustada que, na tentativa de me proteger, me sufoca. Me deixou uma mudança forçada, sem consentimento. Me deixou com dúvida. Me deixou com as consequências de não poder fazer nada sozinha por um tempo. Hoje me deixou também com raiva.
Me deixou com nojo desse corpo gordo que restou. Por meses eu me olhava no espelho sem olhar. Eu fazia curativos sem ver nada além das porções de cortes que eu precisava ver para cuidar, limpar, fechar. Porém ontem eu me obriguei a olhar pela primeira vez para meu corpo de inteiro, com tudo que significou: as cicatrizes, as medidas extras, o peso além do desejado, as celulites, a flacidez. Tudo isso que veio depois do furacão. Não é na hora que a gente sente os efeitos, sabe? Na hora é só uma loucura. Depois que o furacão passa, e que a gente precisa tirar os entulhos, limpar a casa, suturar as rachaduras; é nessa hora que a gente se dá conta de que perdeu muito.

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