A gente tem casco frágil demais por isso inventa tantas proteções. A roupa, o carro, a casa. Se assumíssemos nossa natureza selvagem, primitiva, andaríamos nus no mato. Gerações até engrossar o casco, mas engrossa. O pé acostuma aos galhos, a pele ao sol, o cabelo a ser lavado só com água de rio. Mas atualmente somos finos feito papel. E quando gravemente feridos somos costurados a linha mesmo, ponto por ponto.
Mas somos mais complexos que papel. Artesanato mais intrincado do que o de costurar a manhã. O galo eventualmente, ao tentar tecer uma pessoa, embolaria o canto e perderia os fios que se reencontrariam depois do nó como se nada tivesse acontecido. É por isso. A gente passa a vida toda descobrindo as falhas, consertando ou aprendendo a amar os pontos defeituosos.
Tem gente toalhinha de quermesse, aparentemente uma perfeição branca e simétrica, mas nesses é triste e invisível a goma que os faz nunca serem diferentes. Pano engomado não relaxa. Tem gente que é a bagunça de um cesto de lã. É difícil. Quem nunca pensou em desistir na metade quando a cada movimento de soltura do nó ele ou outros pareciam que mais ainda se apertavam. É desesperador. Mas esse é o desafio, tem beleza e verdade em casa movimento livre da costura caótica.
As pessoas de fios embolados que eu conheço são peças únicas e mutáveis. Amontoados de fios atemporais, que quando entendem que em termos de tecelagem só se pode seguir em frente já se fundiram ao pano único que monta o universo.
- Camila Gobbi, in Escombros e outros pedaços de coisas no chão, 2015.
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