A vida pode ser difícil, bonita e caótica, mas, cm um pouco de sorte, a sua será longa. Se for, você verá que é também imprevisível e que há momentos de escuridão. Mas eles passam, às vezes graças a muito apoio externo, e o túnel se alarga, permitindo que os raios entrem. Se você estiver na escuridão, pode parece que vai continuar nela para sempre. Tateando às cegas. Sozinho. Mas não vai - e não está sozinho. Há muitas pessoas dispostas a ajudá-lo a voltar à luz.
- Gayle Forman, in Eu estive aqui, p. 228.
Supere isto. E se não puder, supere o vício de falar a respeito (Caio Fernando Abreu). ESCREVA.
segunda-feira, 24 de abril de 2017
quinta-feira, 20 de abril de 2017
Sobre perder o fio da meada
Conhece a expressão "perder o fio da meada"? Então, é isso. Na vida real, a maioria de nós não faz muita ideia de onde a nossa vida vai. Podemos achar que sabemos, mas aí alguma coisa aleatória acontece e de repente você está em outra narrativa.
Sita Brahmachari, in Corações de Alcachofra, p. 253
Sita Brahmachari, in Corações de Alcachofra, p. 253
segunda-feira, 17 de abril de 2017
Como onda
Durante um só dia tudo fica claro e tudo fica escuro e de novo tudo claro. O que é preciso é não ir demais contra a onda. A gente faz como quando toma banho de mar: procura subir e descer com a onda. Isso é uma forma de lutar: esperar, ter paciência, perdoar, amar os outros. E cada dia aperfeiçoar o dia.
- Clarice Lispector
- Clarice Lispector
terça-feira, 11 de abril de 2017
Na segunda-feira de Carnaval uma moça foi assaltada
Na segunda-feira de Carnaval uma moça foi assaltada. Ele lhe deu uma facada no peito e que atingiu a aorta. Ela não tinha participado de nenhum bloco de Carnaval. Ela não estava bêbada. Ela não estava drogada. Ela não estava usando shorts curto, nem blusinha com a barriga de fora. Ela não estava em lugar ermo, nem era de madrugada. Era 19h30 da noite. Ela ia jantar com as amigas de infância que vieram passar o Carnaval no Rio. Ela não havia participado das festas com as amigas. Elas iam jantar. Um programa desses, família. Mas ela não chegou. Porque levou uma facada no peito esperando um Uber na frente de seu prédio. Até aí, tudo certo. Certo? Mas descobriram o seu erro: ela pegou o celular na mão. Ela deu mole. Por isso ela levou uma facada no peito. Ela tinha tudo para estar morta. Porque pegou o celular na mão, as 19h30 de uma segunda-feira de Carnaval enquanto esperava em frente ao seu prédio um Uber para ir jantar com amigas de infância num programa desses, bem família, sabe? Ela cometeu um erro. Deu mole.
Foi isso que ela ouviu. Que ela deu mole, por isso lev...
Nossa sociedade está doente. Porque essa moça foi vítima, mas conseguiram encontrar motivos para justificar o que aconteceu com ela. Não, conseguiram encontrar motivos para justificar que uma tragédia só aconteceu com ela porque ela errou. “Eu não uso celular na rua. Isso nunca vai acontecer comigo”. Nós criamos carapuças e cascas para nos protegermos das tragédias que nós mesmos inventamos. Criamos meios de nos protegermos numa falsa ilusão de que não cometemos os mesmos erros que os outros e nessa de não cometer os mesmos erros que os outros nos convencemos de que viver é errado. De que o certo é se proteger na casca e na carapuça, é não dar mole nunca. Se proteger é conseguir ver onde o outro errou e se garantir de que está fazendo diferente. Sim, chegamos a este ponto. Nos convencemos com nossas mentiras diárias para nos convencermos de que existe ainda um viver.
Mas olha, meu irmão, o caso é que não é a roupa. Não é o lugar ermo. Não é porque é uma mulher contra um homem. Não é porque ela estava andando a pé no meio da madrugada. Não é a festa, a bebida, o celular. O caso é que banalizamos a vida e justificamos que qualquer passo em falso na esquina é contra o fluxo. Precisamos apontar os erros dos outros para dizer que nunca vamos errar, porque fazemos diferente. E vamos, até o fim, procurar o que há de diferente entre o eu e o outro. O caso é que viemos pouco a pouco nos conformando com ter perdido nossa humanidade em troca de nos defendermos de tudo que ameace nossa ilusão de segurança.
Foi isso que ela ouviu. Que ela deu mole, por isso lev...
Nossa sociedade está doente. Porque essa moça foi vítima, mas conseguiram encontrar motivos para justificar o que aconteceu com ela. Não, conseguiram encontrar motivos para justificar que uma tragédia só aconteceu com ela porque ela errou. “Eu não uso celular na rua. Isso nunca vai acontecer comigo”. Nós criamos carapuças e cascas para nos protegermos das tragédias que nós mesmos inventamos. Criamos meios de nos protegermos numa falsa ilusão de que não cometemos os mesmos erros que os outros e nessa de não cometer os mesmos erros que os outros nos convencemos de que viver é errado. De que o certo é se proteger na casca e na carapuça, é não dar mole nunca. Se proteger é conseguir ver onde o outro errou e se garantir de que está fazendo diferente. Sim, chegamos a este ponto. Nos convencemos com nossas mentiras diárias para nos convencermos de que existe ainda um viver.
Mas olha, meu irmão, o caso é que não é a roupa. Não é o lugar ermo. Não é porque é uma mulher contra um homem. Não é porque ela estava andando a pé no meio da madrugada. Não é a festa, a bebida, o celular. O caso é que banalizamos a vida e justificamos que qualquer passo em falso na esquina é contra o fluxo. Precisamos apontar os erros dos outros para dizer que nunca vamos errar, porque fazemos diferente. E vamos, até o fim, procurar o que há de diferente entre o eu e o outro. O caso é que viemos pouco a pouco nos conformando com ter perdido nossa humanidade em troca de nos defendermos de tudo que ameace nossa ilusão de segurança.
Memórias de "Memórias de minhas putas tristes", G. G. Márquez
Me pediu nem que fosse dois dias para revirar o mercado a
fundo. Eu repliquei a sério que numa questão dessas, e na minha idade, cada
hora é um ano. P. 8
Nunca pensei na idade como se pensa numa goteira no teto que
indica a quantidade de vida que vai os restando. P. 12
Fazia meses que tinha previsto que minha crônica de
aniversário não seria o mesmo e martelado lamento pelos anos idos, mas o
contrário: uma glorificação da velhice. Comecei por me perguntar quando tomei
consciência de ser velho, e acho que foi pouco antes daquele dia. Aos quarenta
e dois anos havia acudido ao médico por causa de uma dor nas costas que em
estorvava para respirar. Ele não deu importância: é uma dor natural na sua
idade, falou.
- Então – disse eu -, o que não é natural é a minha idade.
O médico me deu um sorriso de lástima. Vejo que o senhor é
um filósofo, disse ele. Foi a primeira vez que pensei na minha idade em termos
de velhice, mas não tardei a esquecer o assunto. E me acostumei a despertar
cada dia com uma dor diferente que ia mudando de lugar e forma, à medida que
passavam os anos. Às vezes parecia ser uma garrotada da morte e no dia seguinte
se esfumava. Nessa época ouvi dizer que o primeiro sintoma da velhice é quando
a gente começa a se parecer com o próprio pai. (...) A verdade é que as
primeiras mudanças são tão lentas que mal se notam, e a gente continua se vendo
por dentro como sempre foi, mas de fora os outros reparam. P. 12
A secretárias levaram ao salão um bolo com noventa velas
acesas que fizeram com que eu enfrentasse pela primeira vez o número de meus
anos. P. 49
Descobri que minha obsessão por cada coisa em seu lugar,
cada assunto em seu tempo, cada palavra em seu estilo, não era o prêmio
merecido de uma mente em orem, mas, pelo contrário, todo um sistema de
simulação inventado por mim para ocultar a desordem da minha natureza. Descobri
que não sou disciplinado por virtude, e sim como reação contra a minha
negligência; que pareço generoso para encobrir minha mesquinhez, que me faço
passar por prudente quando na verdade sou desconfiado e sempre penso o pior,
que sou conciliador para não sucumbir às minhas cóleras reprimidas, que só sou
pontual para que ninguém saiba como pouco me importa o tempo alheio. Descobri,
enfim, que o amor não é um estado da alma e sim um signo do zodíaco. P. 74
A verdade é que eu não aguentava minha alma e começava a
tomar consciência da velhice pelas minhas fraquezas diante do amor. P 97
- Faça o que quiser, mas não perca essa criança – disse. –
não há pior desgraça que morrer sozinho. P. 110
No começo de julho senti a distância real da morte. Meu
coração perdeu o compasso e comecei a ver e a sentir por todos os lados os
presságios inequívocos do final. O mais
nítido foi um concerto no Belas-Artes. O ar-condicionado havia falhado (...) .
No final, com o Allegretto poco mosso, estremeceu-me a revelação deslumbrante
de que estava escutando o último concerto com que o destino me deparava antes
de morrer. Não senti dor nem medo, mas a emoção arrasadora de ter conseguido
viver até ali. P. 117-8.
Desde então comece a medir a vida não pelos anos, mas pelas
décadas. A dos cinquenta havia sido decisiva porque tomei consciência de que
quase todo mundo era mais moço do que eu. A os sessenta foi a mais intensa pela
suspeita de que já não me sobrava tempo para me enganar. A dos setenta foi
temível por uma certa possibilidade de que fosse a última. Ainda assim, quando
despertei vivo na primeira manhã de meus noventa anos na cama feliz de
Delgadina, me atravessou a ideia complacente de que a vida não fosse algo que
transcorre como o rio revolto de Heráclito, mas uma ocasião única de dar a
volta na grelha e continuar assando-se do outro lado por noventa anos a mais.
P. 119-120
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