Arrepio na pele, um sopro de vento pela frestinha da janela. Despira-se em frente ao espelho, olhos fixados na circunferência do abdômen que para ela estava grande demais. Ligou o chuveiro, deixou um pouco de água correr pelo ralo. Fim de tarde gelado de primavera. O dia tinha cara de inverno.
Pé por pé no piso molhado, com cuidado, fechou a porta do box do banheiro. Queria um banho demorado. Almejava ficar alguns minutos a mais sob a água quentinha que deslizava pelas curvas de seu corpo deixando levemente vermelha a pela muito branca. A tatuagem negra no braço era quase incongruente com sua aparência frágil de mulher ainda não totalmente crescida. Rude, diante das maçãs do rosto vermelhas, delicadas e salientes. Ensaboou e enxaguou o corpo. Junto com a água quente espumada que descia ralo abaixo, algumas lágrimas. Sentou-se no piso gelado e chorou. Chorou com a água que a aquecia e que partia. Chorou pelas milhares de células mortas que deixavam seu corpo perfumado. Chorou com os cabelos encharcados caindo-lhe sobre os olhos. Chorou um pouco. Mas não muito. Um último suspiro debaixo do chuveiro, esfregou os olhos vermelhos, a toalha branca e felpuda secando cada gota de água, cada lágrima perdida. Poucos minutos depois, em cima de saltos altos, negros e brilhantes, desfilava ela pela calçada. A desconhecida que chorara no banho. Ia, olhar firme, para o teatro, desempenhar mais uma noite de Medéia e seus amores.
Nenhum comentário:
Postar um comentário