Nesta semana os monstros saíram do armário. E estou a cada dia mais convencida de que nunca será possível superar totalmente um transtorno alimentar. Há poucos dias eu havia escrito, porque estava com um medo real e sabia que ele era iminente, de ter uma recaída muito grande. Eu me sentia sozinha, não me sentia bem, estava insatisfeita com meu trabalho e descontando no meu corpo, e a formatura se aproximava. Eu achava que estava comendo demais. Estava seguindo o plano alimentar da nutricionista, mas estava comendo muito doce extra por conta da ansiedade de tanta coisa saindo fora do planejado. Eu andava quieta, irritada e muito frustrada. Comecei a vomitar vez ou outra por medo de engordar, sabendo que meu peso estava estável. Até que chegou a semana anterior à prova final do meu vestido de formatura. É claro que eu queria que ele ficasse perfeito, queria que me servisse como estava e estar linda na noite do baile, então eu tentava diminuir na comida. Não nas refeições, mas nas porções, mas era tanta ansiedade, eu não conseguia. Até segurava o dia todo, mas a noite eu perdia o controle... Chegava em casa do trabalho e um dia tinha bolo, no outro pé-de-moleque, no outro qualquer outra coisa - e eu comia. Claro que vomitava depois. Três dias antes da prova do vestido eu surtei, bateu o desespero, exagerei na academia, voltei a vomitar depois do almoço - coisa que achava que jamais voltaria a acontecer - por três dias seguidos. Provei o vestido e ele ficou igual à prova anterior, mas eu não estava satisfeita. No dia seguinte vomitei após o almoço e a noite também. Minha garganta começou a doer. No dia seguinte de novo, após o almoço. A noite, como muita dor, ainda assim eu forcei. Não consegui dormir de dor. No dia seguinte fui na farmácia cedinho, antes do trabalho, mas não tinha sinal de inflamação. Eu pensei que fosse uma lesão por forçar, mas não disse nada ao farmacêutico. Não conseguia engolir nada durante o dia. Não comi pela manhã, dormi meu horário de almoço todo e na hora de saída do trabalho liguei para minha mãe me pegar porque eu não tinha forças, estava queimando em febre, e com dor em todo meu corpo. Eu não conseguia ficar em pé. Esperei-a na sorveteria de uma prima, porque ela precisou demorar, e dormi sobre a mesa. Quando acordei, com ela chegando, eu estava muito pior. Queimando em febre, sem conseguir me manter em pé. A hora que minha mãe me colocou no carro eu sentia que estava morrendo, que meus sinais vitais estavam parando. E eu sabia que era tudo culpa minha. Eu não conseguia abrir meus olhos nem me mexer, mas lágrimas escorriam e eram de dor, mas também por culpa, remorso, sei lá... Fomos direto para a emergência do hospital. Estava cheia, por conta de um acidente pouco tempo antes e eu esperei deitada no banco da recepção. Eu não sentia minha respiração, meu coração, nada. Mas ouvia os passos da minha mãe pela sala, sua mão no meu rosto mil vezes, ela tentando falar por telefone com o médico da família. Eu imagino que parecia que minha vida estava indo por um fiozinho... Fazia mais de 24 horas que eu mal bebia água. Não sei como estava minha temperatura, nem minha pressão quando a enfermeira chegou. Só lembro dela me ajudando a levantar e ir para a sala de atendimento. Eu fui de olhos fechados, porque era impossível abri-los. Senti aparelhos nos meus braços e mãos, mas não sei o que eram. Fiquei sozinha um tempo em uma sala muito iluminada para minha dor de cabeça suportar e gelada. O médico chegou em seguida, falei com ele sem ver quem era, só lembro que perguntou se já havia sentido aquilo e abrindo meus olhos com a lanterninha, minha boca para ver a garganta. Levei três injeções, para dor e para uma inflamação séria na garganta. E eu precisava viajar no dia seguinte, cedo. Disse a ele que era minha formatura, e que eu teria apresentações marcadas no dia seguinte. Ele duvidou que eu conseguisse estar bem para essas coisas. Mas eu sobrevivi, por mais maluco que isso seja, e estou aqui. Apresentei no Asilo ontem, hoje estou de cama, com muita dor ainda, comendo só líquidos, algumas placas bem grandes na boca toda e com dificuldade para beber até mesmo água.
Ouvi, sem querer, minha mãe dizendo que não estava mais aguentando tanta preocupação com os filhos (sou eu e mais dois meninos mais novos) nos últimos tempos. Eu disse a ela que não dava preocupação, que só dei naquela situação, e ela disse que não... Que faz algumas semanas que estava preocupada comigo. Imagino que ela soubesse, ou suspeitasse, que eu estava vomitando, mas não me falou nada. E eu sentia a cada segundo que meu coração fosse parar. E eu pensava a cada momento que eu preferia morrer do que sentir as dores que eu senti. E que no final das contas, tudo isso aconteceu porque eu não queria ficar feia em um vestido de formatura. Mas foi o vestido que eu escolhi, o vestido com o qual eu sonhei e mandei fazer, o vestido que ficava lindo em mim pelo simples fato de que era minha formatura e eu merecia viver este dia. Com 40, 60 ou 90 quilos. Mas que independente de com que peso eu precisava estar bem, estar viva. E que eu preciso ser assim também para fazer teatro, que eu amo de paixão. Mas quase coloquei tudo pelo espaço por não me achar suficiente. Será que completar cinco anos de uma graduação difícil em um curso concorrido em uma universidade pública com mérito acadêmico não me tornam suficiente?
E porque é tão difícil entender isso e deixar essas coisas todas para lá...
Porque afinal de contas, agora estou bem mais magra, claro... Três dias sem comer direito... Mas correndo o risco de que meu vestido não fique bem no sábado a noite, porque não estarei na medida que o provei na última vez. Então, tudo adiantou de quê?!
É claro, também, que isso tudo é muito mais claro agora, depois de tudo, mas meu Deus, me ajude a não precisar passar por todas essas coisas mais... Eu sou totalmente suficiente assim!
Supere isto. E se não puder, supere o vício de falar a respeito (Caio Fernando Abreu). ESCREVA.
domingo, 16 de fevereiro de 2014
quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014
Onde vivem os monstros
Os problemas começam quando você começa a olhar demais para além de sua mente e passa menos tempo prestando atenção na cor dos seus olhos.
Os problemas começam quando você espera que o mundo seja bom, quando na verdade ele só está aí para ser vivido, usufruído.
Os problemas começam quando você tem medo de sair de seu quarto e passar na cozinha, e não resistir a comer guloseimas, e passar no banheiro, e vomitar tudo, pela terceira vez hoje. E saber que, ainda assim, você continua engordando.
Os problemas se prolongam quando você pensa em escrever para a sua nutricionista e contar que está vomitando, mas saber que não é ela quem vai resolver. Que você precisa de uma terapeuta, que a sua está longe, e que você não quer começar tudo de novo, sem saber bem com quem.
Os problemas se mantêm quando você continua escondendo, se escondendo, mentindo – para os outros, para si.
Os problemas parecem muito grandes quando você percebe que não tem mais amigas, que sua família é distante, que sua vida é vazia, que está sozinha, que é um risco muito grande, porque não contar é fortalecer o T. A. E então os problemas ficam muito grandes, porque você lembra de tudo por que passou, lembra dos desmaios, dos choros, das críticas, das preocupações, dos hospitais. Você lembra que sobreviveu, mas tem medo de não ter a mesma sorte desta vez.
E os problemas terminam só quando você perde o chão. Outra vez.
Os problemas começam quando você tem medo de sair de seu quarto e passar na cozinha, e não resistir a comer guloseimas, e passar no banheiro, e vomitar tudo, pela terceira vez hoje. E saber que, ainda assim, você continua engordando.
Os problemas se prolongam quando você pensa em escrever para a sua nutricionista e contar que está vomitando, mas saber que não é ela quem vai resolver. Que você precisa de uma terapeuta, que a sua está longe, e que você não quer começar tudo de novo, sem saber bem com quem.
Os problemas se mantêm quando você continua escondendo, se escondendo, mentindo – para os outros, para si.
Os problemas parecem muito grandes quando você percebe que não tem mais amigas, que sua família é distante, que sua vida é vazia, que está sozinha, que é um risco muito grande, porque não contar é fortalecer o T. A. E então os problemas ficam muito grandes, porque você lembra de tudo por que passou, lembra dos desmaios, dos choros, das críticas, das preocupações, dos hospitais. Você lembra que sobreviveu, mas tem medo de não ter a mesma sorte desta vez.
E os problemas terminam só quando você perde o chão. Outra vez.
Morrer de quê?
Relativamente digna e não amarga? Ele não foi feito para isso. Mesmo se toda criação acaba em sua abolição, que a trabalha desde o início, mesmo se toda música é uma perseguição do silêncio, elas não podem ser julgadas segundo seu fim nem segundo seu suposto objetivo, pois os excedem por todos os lados. Quando acabam na morte, é em função de um perigo que lhes é próprio, e não de uma destinação que lhes seria própria. O que queremos dizer é o seguinte: por que, sobre as linhas de fuga enquanto reais, a "metáfora" da guerra aparece com tanta freqüência, mesmo ao nível mais pessoal, mais individual?
- Deleuze e Parnat, in Políticas. Diálogos.
- Deleuze e Parnat, in Políticas. Diálogos.
sábado, 1 de fevereiro de 2014
Assinar:
Postagens (Atom)