domingo, 16 de fevereiro de 2014

Um dia depois de ontem

Nesta semana os monstros saíram do armário. E estou a cada dia mais convencida de que nunca será possível superar totalmente um transtorno alimentar. Há poucos dias eu havia escrito, porque estava com um medo real e sabia que ele era iminente, de ter uma recaída muito grande. Eu me sentia sozinha, não me sentia bem, estava insatisfeita com meu trabalho e descontando no meu corpo, e a formatura se aproximava. Eu achava que estava comendo demais. Estava seguindo o plano alimentar da nutricionista, mas estava comendo muito doce extra por conta da ansiedade de tanta coisa saindo fora do planejado. Eu andava quieta, irritada e muito frustrada. Comecei a vomitar vez ou outra por medo de engordar, sabendo que meu peso estava estável. Até que chegou a semana anterior à prova final do meu vestido de formatura. É claro que eu queria que ele ficasse perfeito, queria que me servisse como estava e estar linda na noite do baile, então eu tentava diminuir na comida. Não nas refeições, mas nas porções, mas era tanta ansiedade, eu não conseguia. Até segurava o dia todo, mas a noite eu perdia o controle... Chegava em casa do trabalho e um dia tinha bolo, no outro pé-de-moleque, no outro qualquer outra coisa - e eu comia. Claro que vomitava depois. Três dias antes da prova do vestido eu surtei, bateu o desespero, exagerei na academia, voltei a vomitar depois do almoço - coisa que achava que jamais voltaria a acontecer - por três dias seguidos. Provei o vestido e ele ficou igual à prova anterior, mas eu não estava satisfeita. No dia seguinte vomitei após o almoço e a noite também. Minha garganta começou a doer. No dia seguinte de novo, após o almoço. A noite, como muita dor, ainda assim eu forcei. Não consegui dormir de dor. No dia seguinte fui na farmácia cedinho, antes do trabalho, mas não tinha sinal de inflamação. Eu pensei que fosse uma lesão por forçar, mas não disse nada ao farmacêutico. Não conseguia engolir nada durante o dia. Não comi pela manhã, dormi meu horário de almoço todo e na hora de saída do trabalho liguei para minha mãe me pegar porque eu não tinha forças, estava queimando em febre, e com dor em todo meu corpo. Eu não conseguia ficar em pé. Esperei-a na sorveteria de uma prima, porque ela precisou demorar, e dormi sobre a mesa. Quando acordei, com ela chegando, eu estava muito pior. Queimando em febre, sem conseguir me manter em pé. A hora que minha mãe me colocou no carro eu sentia que estava morrendo, que meus sinais vitais estavam parando. E eu sabia que era tudo culpa minha. Eu não conseguia abrir meus olhos nem me mexer, mas lágrimas escorriam e eram de dor, mas também por culpa, remorso, sei lá... Fomos direto para a emergência do hospital. Estava cheia, por conta de um acidente pouco tempo antes e eu esperei deitada no banco da recepção. Eu não sentia minha respiração, meu coração, nada. Mas ouvia os passos da minha mãe pela sala, sua mão no meu rosto mil vezes, ela tentando falar por telefone com o médico da família. Eu imagino que parecia que minha vida estava indo por um fiozinho... Fazia mais de 24 horas que eu mal bebia água. Não sei como estava minha temperatura, nem minha pressão quando a enfermeira chegou. Só lembro dela me ajudando a levantar e ir para a sala de atendimento. Eu fui de olhos fechados, porque era impossível abri-los. Senti aparelhos nos meus braços e mãos, mas não sei o que eram. Fiquei sozinha um tempo em uma sala muito iluminada para minha dor de cabeça suportar e gelada. O médico chegou em seguida, falei com ele sem ver quem era, só lembro que perguntou se já havia sentido aquilo e abrindo meus olhos com a lanterninha, minha boca para ver a garganta. Levei três injeções, para dor e para uma inflamação séria na garganta. E eu precisava viajar no dia seguinte, cedo. Disse a ele que era minha formatura, e que eu teria apresentações marcadas no dia seguinte. Ele duvidou que eu conseguisse estar bem para essas coisas. Mas eu sobrevivi, por mais maluco que isso seja, e estou aqui. Apresentei no Asilo ontem, hoje estou de cama, com muita dor ainda, comendo só líquidos, algumas placas bem grandes na boca toda e com dificuldade para beber até mesmo água.
Ouvi, sem querer, minha mãe dizendo que não estava mais aguentando tanta preocupação com os filhos (sou eu e mais dois meninos mais novos) nos últimos tempos. Eu disse a ela que não dava preocupação, que só dei naquela situação, e ela disse que não... Que faz algumas semanas que estava preocupada comigo. Imagino que ela soubesse, ou suspeitasse, que eu estava vomitando, mas não me falou nada. E eu sentia a cada segundo que meu coração fosse parar. E eu pensava a cada momento que eu preferia morrer do que sentir as dores que eu senti. E que no final das contas, tudo isso aconteceu porque eu não queria ficar feia em um vestido de formatura. Mas foi o vestido que eu escolhi, o vestido com o qual eu sonhei e mandei fazer, o vestido que ficava lindo em mim pelo simples fato de que era minha formatura e eu merecia viver este dia. Com 40, 60 ou 90 quilos. Mas que independente de com que peso eu precisava estar bem, estar viva. E que eu preciso ser assim também para fazer teatro, que eu amo de paixão. Mas quase coloquei tudo pelo espaço por não me achar suficiente. Será que completar cinco anos de uma graduação difícil em um curso concorrido em uma universidade pública com mérito acadêmico não me tornam suficiente?
E porque é tão difícil entender isso e deixar essas coisas todas para lá...
Porque afinal de contas, agora estou bem mais magra, claro... Três dias sem comer direito... Mas correndo o risco de que meu vestido não fique bem no sábado a noite, porque não estarei na medida que o provei na última vez. Então, tudo adiantou de quê?!

É claro, também, que isso tudo é muito mais claro agora, depois de tudo, mas meu Deus, me ajude a não precisar passar por todas essas coisas mais... Eu sou totalmente suficiente assim!

6 comentários:

Anônimo disse...

Lendo isso, vi que não estou sozinha, mas imagino que eu esteja há um passo atrás, porque não me arrependo depois. Só sinto vontade de sumir, pra sempre talvez. sinto que não posso contar disso pra ninguém, porque ninguém se importa, as vezes penso que isso pode ser besteira da minha cabeça, mas sei que é verdade. Sei que estou sozinha. Eu só queria conseguir parar de pensar em vomitar tudo o que como. Com quantos anos você começou a vomitar? Tenho 14 e acho que não aguento viver assim :(

Olhares e silêncio disse...

Olá querida! Não sei se você vai ver minha mensagem aqui... Vamos trocar e-mails? Eu gostaria de te ajudar, se me permitir...
Tudo tem solução.. Uma hora a gente desencana, eu acho, mas também estou nessa há muito tempo... Tentando não me estourar nem perder pelo caminho. A vida é árdua, mas ainda assim é boa de ser vivida!
Beijo, e muita força!

Olhares e silêncio disse...
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Anônimo disse...

21 97958-7756 te aguardo...

Anônimo disse...

No wpp. Nao tenho e-mail.. Se ainda quiser conversar! (Continuação do comentario anteior)

Olhares e silêncio disse...
Este comentário foi removido pelo autor.