Supere isto. E se não puder, supere o vício de falar a respeito (Caio Fernando Abreu). ESCREVA.
terça-feira, 4 de outubro de 2016
sábado, 24 de setembro de 2016
Hei, corpo!
Hei, meu bem. Brigamos feio essa semana, hein? Pois é... Acho
péssimo falar assim, mas parece que você não escuta o que eu tenho para dizer e
então eu fico assim, lutando contra eu mesma. E olha eu aqui não querendo essa
culpa para mim, te deixando com todas as responsabilidades dessa bagunça meio
escusa que eu sempre crio nos finais infelizes. Enfim, acho que é para dizer, “me
desculpe pelos excessos” e ainda assim te responsabilizar. Mais uma vez eu quis
me convencer que daria conta de toda a angústia se, de algum jeito, tirasse
você do jogo, já que eu não sou capaz de te fazer ser do jeito que eu quero.
Não bastasse o teatro, não bastassem as corridas, a academia, peguei pesado com
você no ballet e te disse coisas horríveis em pensamento na frente do espelho.
Ei, Corpo, te olhei mais do que queria essa semana, e te olhei querendo ver o
que eu seria capaz de amar em você, e não o que você é. Eu começo a me
convencer de que não sou capaz de te amar como eu gostaria. E tenho me
esforçado tanto, tanto. Eu sei que você sente. Valorize minhas tentativas, por
favor. Se eu não conseguir convencer a mim mesma, quem eu seria capaz de
convencer?
Talvez a grande questão seja o que é que não dá para aceitar
em você? O que é isso que parte do intolerável de ser, a ponto de bagunçar a
casa e toda a bagunça e a sujeira lá de fora, da rua, irem adentrando pelas
portas e pelas janelas escancaradas, pelas frestas. Então me desculpe. Desculpe-me
por toda essa exigência, por essas críticas vorazes de falta de empatia,
justamente com você. Justamente eu, que tanto condeno essa incapacidade
generalizada de enxergar o outro. Eu não te vejo. Eu nunca quis não te querer,
pelo contrário eu queria te amar tanto que todo o resto pudesse ser esquecido,
ou pelo menos relevado. Eu queria ser capaz de conviver com as suas
imperfeições sensíveis só a mim mesma, queria poder lidar melhor com meus
braços cheinhos e com minhas coxas musculosas. Queria saber dar conta da minha
barriga nem reta nem definida, meio estranha, e que de tão indecisa não é nem uma
coisa, nem outra. Dos meus dedos
pequenos, das minhas costas largas e do meu cabelo indefinido, dos meus olhos
meio termo, que não são nem castanhos nem verdes, desse coração que me parece
tão vazio e de uma cabeça cheia demais. Queria não precisar esconder você dos
outros, duvidar tanto do que você é capaz. Queria aceitar os elogios como se
aceita uma observação sobre um objeto qualquer. Que a gente nem ama, nem odeia,
só simpatiza. Que é ainda pior que os dois primeiros. Quem simpatiza não se
envolve com nada. Nem para se doar, nem para repudiar. Não sustento nenhuma tese
sobre você. Simpatizar é pior que nada, é mais forte que todo asco que você
poderia sentir por alguém que não merece nada. Sobre quem você não consegue ver
nada. Além de uma imensa porção de “não insista, não vale a pena”.
terça-feira, 6 de setembro de 2016
"Slackline"
Perdi um pouco a linha hoje. Não deu para segurar. Essa semana toda foi estranha... Muitas coisas acontecendo para pouca disposição de ficar me combatendo o tempo todo. Ontem eu não estava bem... O dia foi cheio e ao mesmo tempo foi pesado. Duas coisas chatas que aconteceram no trabalho me deixaram muito chateada, somado com as 6 aulas que eu dei ontem e tanta coisa se passando na minha cabeça sobre aquilo que eu tenho vivido foram demais para mim. Eu já tinha percebido que não estava legal... Minha irritação ao explicar pela terceira vez a mesma coisa para o meu irmão foi um sinal. Ele perguntando se íamos nos ver mais tarde e eu dizendo que poderíamos, mas que eu estava cansada. As horas passaram e nada. Quando veio uma resposta eu já estava até mesmo cansada demais para reclamar. Ele veio. É um “sexo casual” que se torna rotina. Incomoda. Eu várias vezes me disse “é por isso que eu não namoro, é por isso que eu não namoro”. Ontem eu me disse isso antes dele chegar. Mas ele veio. Eu disse que não estava a fim, que ontem o dia tinha sido pesado, que eu estava cansada, que eu não estava a fim. Ele insistiu. Em fechar a porta, em apagar a luz, que eu tirasse o casaco. Eu não quis. Eu queria que ele ficasse, mas queria também que me deixasse em paz. Queria algo que ele não tinha para me oferecer. E aí, o problema é de quem? Depois de muitas vezes dizendo, “sério, eu não estou legal” ele parou e olhou para mim. Disse que ficaria chateado, que isso não se fazia. Perguntou se eu sempre fazia as coisas só por mim, nunca pelos outros. Eu pedi desculpas. Ele voltou a me beijar. Eu estava chorando. Até que levantei. Fechei meu shorts. Ele disse que era hora de ir embora. Me falou que “só queria que a minha sexta fosse tão boa quanto a que ele tinha planejado para ele”. Não sei se estava mesmo chateado – ele brinca o tempo todo, com tudo. Disse que não era motivo eu ficar assim por causa de uns garotos babacas, que queria fazer meu dia valer a pena e que eu não deixava. Eu só queria poder chorar um pouco. Eu acho que tinha esse direito. “Você não pode deixar eles acabarem com seu dia”. Mas eles acabaram com meu dia. Eu fiquei mal, fiquei arrasada, me senti invadida. Ele dizia que entendia, mas mostrava que não.
“Você faz, sempre, as coisas só para você? Nunca para os outros?”.
Lembrei de uma paciente do CAPS, no estágio de psicopatologia. Ela surtou quando lhe perguntaram sobre uma boneca. E eu perdi a linha com uma pergunta. Não era sobre sexo. Não era sobre ceder ou não qualquer coisa para ele. Ele me mostrou o quanto eu sou egoísta, pior que todo mundo.
“Você faz, sempre, as coisas só para você? Nunca para os outros?”. Essa pergunta não me saiu mais da cabeça – continua batendo aqui como quem vai rachar uma parede. E eu acordei hoje mais certa do que nunca que devia ir embora. De novo. Sair daqui. Tentando me convencer de que ir para outro lugar resolveria. Quando na verdade eu sinto mesmo é que eu não sou para esse mundo.
“Você faz, sempre, as coisas só para você? Nunca para os outros?”.
Lembrei de uma paciente do CAPS, no estágio de psicopatologia. Ela surtou quando lhe perguntaram sobre uma boneca. E eu perdi a linha com uma pergunta. Não era sobre sexo. Não era sobre ceder ou não qualquer coisa para ele. Ele me mostrou o quanto eu sou egoísta, pior que todo mundo.
“Você faz, sempre, as coisas só para você? Nunca para os outros?”. Essa pergunta não me saiu mais da cabeça – continua batendo aqui como quem vai rachar uma parede. E eu acordei hoje mais certa do que nunca que devia ir embora. De novo. Sair daqui. Tentando me convencer de que ir para outro lugar resolveria. Quando na verdade eu sinto mesmo é que eu não sou para esse mundo.
Sobre o que fica depois de tudo
No primeiro dia pensei em me matar. No segundo, em virar padre. No terceiro, em beber até cair. No quarto, pensei em escrever uma carta para Marcela. No quinto, comecei a pensar na Europa e no sexto comecei a sonhar com as noites em Lisboa. Em seis dias Deus fez o mundo e eu refiz o meu.
- Memórias póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis
- Memórias póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis
sábado, 3 de setembro de 2016
sábado, 20 de agosto de 2016
Confissão
1. Adoro o silêncio. Sim, sou uma pessoa calada. E adoro ficar quieta. Não sou/estou deprimida, não preciso de ajuda. Só gosto muito de ficar sozinha e quieta.
2. Eu poderia ser vegana. Poderia mesmo. Quase não consumo produtos de origem animal, mas já faz um tempo que eu me livrei de tudo que me engessa e amarra. Vou continuar comendo chocolate. E comida japonesa. O choro é livre.
3. Tenho uma deficiência visual leve desde criança. Comecei a usar óculos com 7 anos de idade, mas a maioria das pessoas nem suspeita disso, porque faz muitos anos que uso lente de contato, praticamente o dia todo.
4. Tenho medo do escuro. Faz anos que perdi a coragem de assistir filme de terror sozinha. Apago a luz e vou de olhos fechados para a cama.
5. Sou canceriana, mas rompo com todo o protocolo. Não gosto de expressões públicas de afeto. Definitivamente, romances não têm nada a ver comigo. Sou meio durona mesmo.
6. Já tive muitos problemas com comida. Desenvolvi transtornos alimentares muito nova e não acredito em cura, embora me considere quase recuperada. De vez em quando ainda preciso encará-lo e dizer quem é que manda. Sou administradora de um grupo gigante - que cresce a cada dia! - para pessoas que lutam com T.A.s. Isso me deixa bastante triste.
2. Eu poderia ser vegana. Poderia mesmo. Quase não consumo produtos de origem animal, mas já faz um tempo que eu me livrei de tudo que me engessa e amarra. Vou continuar comendo chocolate. E comida japonesa. O choro é livre.
3. Tenho uma deficiência visual leve desde criança. Comecei a usar óculos com 7 anos de idade, mas a maioria das pessoas nem suspeita disso, porque faz muitos anos que uso lente de contato, praticamente o dia todo.
4. Tenho medo do escuro. Faz anos que perdi a coragem de assistir filme de terror sozinha. Apago a luz e vou de olhos fechados para a cama.
5. Sou canceriana, mas rompo com todo o protocolo. Não gosto de expressões públicas de afeto. Definitivamente, romances não têm nada a ver comigo. Sou meio durona mesmo.
6. Já tive muitos problemas com comida. Desenvolvi transtornos alimentares muito nova e não acredito em cura, embora me considere quase recuperada. De vez em quando ainda preciso encará-lo e dizer quem é que manda. Sou administradora de um grupo gigante - que cresce a cada dia! - para pessoas que lutam com T.A.s. Isso me deixa bastante triste.
Ao longe
Hoje a Baía de Guanabara estava coberta pela neblina. Eu só via a ponta dos navios e o topo dos prédios, ao longe.
E quando...?
Não me arrendo em nada da minha escolha. Se choro, não é por receio ou arrependimento, mas por pensar que, talvez, o que desejo e que penso que me fará feliz, não seja da ordem do possível.
Mas... E quando você não se ama e te comparam com alguém que você ama?
Mas... E quando você não se ama e te comparam com alguém que você ama?
terça-feira, 16 de agosto de 2016
Afeto
Ela disse...
"Sabe, a imagem que eu vejo é como se você tivesse um balãozinho assim, pendurado, em que você guarda todo o afeto que você recebe e já recebeu na sua vida. Só que esse balãozinho tem um buraquinho e ele vai saindo. Esse buraco já foi bem maior, já foi muito grande. Hoje é um buraquinho, bem pequenininho, mas o afeto ainda sai por ali e o balão nunca enche. É como se houvesse um monstrinho lá embaixo que só você vê. Ele está adormecido, mas o seu medo é que um dia ele acorde e lhe diga que tudo aquilo de mais horrível que você pensa sobre você seja verdade".
- Minha terapeuta. In Threatment by myself.
"Sabe, a imagem que eu vejo é como se você tivesse um balãozinho assim, pendurado, em que você guarda todo o afeto que você recebe e já recebeu na sua vida. Só que esse balãozinho tem um buraquinho e ele vai saindo. Esse buraco já foi bem maior, já foi muito grande. Hoje é um buraquinho, bem pequenininho, mas o afeto ainda sai por ali e o balão nunca enche. É como se houvesse um monstrinho lá embaixo que só você vê. Ele está adormecido, mas o seu medo é que um dia ele acorde e lhe diga que tudo aquilo de mais horrível que você pensa sobre você seja verdade".
- Minha terapeuta. In Threatment by myself.
sexta-feira, 1 de julho de 2016
Das mazelas da vida...
A vida é apenas uma sombra ambulante, um pobre cômico que se empavona e agita por uma hora no palco, sem que seja, após, ouvido.
- Macbeth, in Macbeth, Shakespeare, p. 126.
- Macbeth, in Macbeth, Shakespeare, p. 126.
Um teatro do invisível
Um teatro sagrado é um teatro que busca tornar visível o que normalmente está invisível. O objetivo de toda forma de teatro é colocar em cena coisas visíveis e tangíveis. O teatro de Brecht, por exemplo, visa essencialmente a colocar em cena gestos visíveis, realidades concretas visíveis: a maneira como as pessoas estão vestidas, sua aparência correspondente a detalhes visíveis que encontramos no mundo exterior.
- Peter Brook, in Avec Grotowski, p. 26.
- Peter Brook, in Avec Grotowski, p. 26.
sábado, 18 de junho de 2016
Sobre tesouros escondidos na lama
Mas é o mundo que criou. E quando deixar de existir, esse mundo também vai deixar de existir. Mas aqueles que entendem que estão vivendo nos últimos dias do mundo não podem adquirir um significado diferente. A extinção de toda realidade é um conceito que a renúncia não pode impedir. E ainda, nesse desespero, que é transcendente, encontrará compreensão antiga e que a pedra filosofal será sempre encontrada desprezada, enterrada na lama. Isso pode parecer pouca coisa face à enganação, até que a enganação ocorra. E então, todos os grandes desígnios e todos os grandes planos serão desvelados, ou dispostos e revelados por aquilo que são.
- In Counselor, filme.
- In Counselor, filme.
quarta-feira, 15 de junho de 2016
Despedida
Que tchau era aquele? De alguém que se despede da vida como quem dobra uma esquina?
Querida, você acenou tão de leve que eu jamais poderia imaginar que era a primícia de uma partida. Você ofereceu aquele sorriso doce que me encantara todos os últimos dias de nossas vidas. E nenhum vacilo. Nenhum suspiro fora do trilho, nenhuma palavra além do script, nada além do esperado.
Até podíamos falar sobre isso, falar mais sobre isso, se você quisesse. Não?
Eu só não queria que você fosse embora.
Eu não queria ir embora também. Em-boa-hora.
Silêncio. Desculpe - tententender.
Que amor era esse que não saiu do chão? Não saiu do lugar. Só fez rastejar um coração.
Querida, você acenou tão de leve que eu jamais poderia imaginar que era a primícia de uma partida. Você ofereceu aquele sorriso doce que me encantara todos os últimos dias de nossas vidas. E nenhum vacilo. Nenhum suspiro fora do trilho, nenhuma palavra além do script, nada além do esperado.
Até podíamos falar sobre isso, falar mais sobre isso, se você quisesse. Não?
Eu só não queria que você fosse embora.
Eu não queria ir embora também. Em-boa-hora.
Silêncio. Desculpe - tententender.
Que amor era esse que não saiu do chão? Não saiu do lugar. Só fez rastejar um coração.
quarta-feira, 8 de junho de 2016
Guantánamo
Em 2007, Humberto Gessinger e cia escreveu esta música.
Foi para Guantánamo. Eu pensei que era para mim.
"Quem foi que disse "te quero"
qual era mesmo a canção
quem viu a cor do dinheiro
qual a melhor tradução
quem foi ao Rio de Janeiro
qual era a intenção
qual foi o dia e a hora
quem foi embora...adeus
-me tira daqui [não adianta gritar]
-me ajuda a fugir [ninguém vai escutar]
não aguento mais ... eu não sei a resposta
quem sabe o que vem primeiro
quem sabe o que vem depois
quem cabe no mundo inteiro
quem mais além de nós dois
quem chama ao telefone
por que não bate na porta
que chama arde teu nome
será que alguém se importa?
-me tira daqui [não adianta gritar]
-me ajuda a fugir [ninguém vai escutar]
não aguento mais ... eu não sei a resposta
qual é a droga que salva
qual é a dose letal?
quem quer saber tudo isso
será que aguenta a pressão
Eu não sei a resposta...Eu não sei a resposta...
Não aguento mais..."
Foi para Guantánamo. Eu pensei que era para mim.
"Quem foi que disse "te quero"
qual era mesmo a canção
quem viu a cor do dinheiro
qual a melhor tradução
quem foi ao Rio de Janeiro
qual era a intenção
qual foi o dia e a hora
quem foi embora...adeus
-me tira daqui [não adianta gritar]
-me ajuda a fugir [ninguém vai escutar]
não aguento mais ... eu não sei a resposta
quem sabe o que vem primeiro
quem sabe o que vem depois
quem cabe no mundo inteiro
quem mais além de nós dois
quem chama ao telefone
por que não bate na porta
que chama arde teu nome
será que alguém se importa?
-me tira daqui [não adianta gritar]
-me ajuda a fugir [ninguém vai escutar]
não aguento mais ... eu não sei a resposta
qual é a droga que salva
qual é a dose letal?
quem quer saber tudo isso
será que aguenta a pressão
Eu não sei a resposta...Eu não sei a resposta...
Não aguento mais..."
quinta-feira, 2 de junho de 2016
Convite à dor
Um dia eu precisei amar minha dor. Era o único jeito que tinha de continuar vivendo. Ou aprendia, ou morreria com ela. Resolvi aprender. Desde então, minha dor é minha companheira, minha mestra, minha parceira. Deixou de ser minha inimiga no momento em que eu a olhei nos olhos e aceitei conhecê-la com mais propriedade. Quis entrar nos mistérios de seus mecanismos com o intuito de poder administrar melhor as suas consequências.
Eu não a busco, mas, quando chega, abro as portas para que não force as janelas. Deixo que entre, ofereço-lhe um café, olho nos seus olhos para que cesse o medo e depois me empenho em deixar que fique o tempo necessário, até que se dissolva por si só, pela força do tempo. Quando acolhida, a dor se dissipa aos poucos, e, de maneira incrível e surpreendente, o que parecia ser tão definitivo transforma-se em matéria transitória. Pode parecer-lhe estranho, mas eu prefiro que ela se acomode na sala. Se eu não permito que ela entre, ela fica batendo na minha janela, dia e noite, impedindo-me o sono.
Eu não a busco, mas, quando chega, abro as portas para que não force as janelas. Deixo que entre, ofereço-lhe um café, olho nos seus olhos para que cesse o medo e depois me empenho em deixar que fique o tempo necessário, até que se dissolva por si só, pela força do tempo. Quando acolhida, a dor se dissipa aos poucos, e, de maneira incrível e surpreendente, o que parecia ser tão definitivo transforma-se em matéria transitória. Pode parecer-lhe estranho, mas eu prefiro que ela se acomode na sala. Se eu não permito que ela entre, ela fica batendo na minha janela, dia e noite, impedindo-me o sono.
- Fábio de Melo.
terça-feira, 24 de maio de 2016
O dia em que a vi. Ela voltou.
Ela voltou.
Hoje me olhou nos olhos e eu não tive dúvidas de que ela tivesse voltado. Sorrateira, nem a vi abrindo a porta. Mas, de repente, ela já estava em meu quarto. Já havia se apossado da minha cama, dos armários. Ela já tinha impregnado toda a casa com suas mentiras, com suas promessas. Ela voltou e nem perguntou como eu estava. Ela me fez promessas. Promessas e mais promessas. Ela não vai me deixar em paz. Nunca mais.
Hoje me olhou nos olhos e eu não tive dúvidas de que ela tivesse voltado. Sorrateira, nem a vi abrindo a porta. Mas, de repente, ela já estava em meu quarto. Já havia se apossado da minha cama, dos armários. Ela já tinha impregnado toda a casa com suas mentiras, com suas promessas. Ela voltou e nem perguntou como eu estava. Ela me fez promessas. Promessas e mais promessas. Ela não vai me deixar em paz. Nunca mais.
terça-feira, 10 de maio de 2016
Tráfego
Não é meu trabalho pilotar o navio;
Nunca soprarei a corneta.
Não é meu lugar dizer até onde
O navio irá.
Não tenho licença para ir ao convés
Ou mesmo tocar o sino.
Mas se esta coisa começar a afundar
Olhe quem vai para o inferno'.
- HUNTER, in O monge e o executivo
Nunca soprarei a corneta.
Não é meu lugar dizer até onde
O navio irá.
Não tenho licença para ir ao convés
Ou mesmo tocar o sino.
Mas se esta coisa começar a afundar
Olhe quem vai para o inferno'.
- HUNTER, in O monge e o executivo
terça-feira, 26 de abril de 2016
Vida que arde
Todos passamos a existir a partir de uma única célula, menor do que um grão de areia. Muito menor. Dividir. Multiplicar. Somar e subtrair. A matéria muda de sentido, os átomos flutuam para dentro e para fora, as moléculas giram, as proteínas se grudam umas nas outras, as mitocôndrias transmitem ordens oxidantes; começamos como uma aglomeração elétrica microscópica. Os pulmões, o cérebro, o coração. Quarenta semanas mais tarde, seis trilhões de células se espremem através de nossa mãe e
soltamos um berro. Só então o mundo começa para nós.
- Anthony Doerr, in Toda Luz que não podemos ver, p. 467.
soltamos um berro. Só então o mundo começa para nós.
- Anthony Doerr, in Toda Luz que não podemos ver, p. 467.
Esperança
- A senhora nunca fica cansada de acreditar, madame? A senhora nunca quer uma prova?
(...)
- Você nunca pode deixar de acreditar. Essa é a coisa mais importante.
As flores do campo balançam, e as abelhas continuam firmes em seu trabalho. Se pelo menos a vida fosse como um romance de Julio Verne, pensa Marie-Laure, e você pudesse passar as páginas para a frente, quando precisasse, para descobrir o que estava para acontecer.
- Anthony Doerr, in Toda Luz que não podemos ver, p. 296.
(...)
- Você nunca pode deixar de acreditar. Essa é a coisa mais importante.
As flores do campo balançam, e as abelhas continuam firmes em seu trabalho. Se pelo menos a vida fosse como um romance de Julio Verne, pensa Marie-Laure, e você pudesse passar as páginas para a frente, quando precisasse, para descobrir o que estava para acontecer.
- Anthony Doerr, in Toda Luz que não podemos ver, p. 296.
Caramujo
- Como um caramujo.
Ela ouve por acaso Etienne falar perto da porta dela.
- Toda encolhida ali dentro.
No entanto, ela estava com raiva. De Etienne, por fazer tão pouco, de madame Manec, por fazer tanto, do pai dela, por não estar aqui para fazê-la entender a ausência dele. Dos olhos dela, por não funcionarem. De tudo e de todos. Quem sabia que o amor poderia matar?
- Anthony Doerr, in Toda Luz que não podemos ver, p. 230.
Ela ouve por acaso Etienne falar perto da porta dela.
- Toda encolhida ali dentro.
No entanto, ela estava com raiva. De Etienne, por fazer tão pouco, de madame Manec, por fazer tanto, do pai dela, por não estar aqui para fazê-la entender a ausência dele. Dos olhos dela, por não funcionarem. De tudo e de todos. Quem sabia que o amor poderia matar?
- Anthony Doerr, in Toda Luz que não podemos ver, p. 230.
quarta-feira, 6 de abril de 2016
Um Lar para chamar de seu
Pode tomar muito tempo e muita procura, mas uma hora você descobre que seu lar é muito mais que a casa onde você mora. Brás teve todo o tempo do mundo para descobrir isso. ele descobriu que o país pode ser seu lar, ou uma cidade, ou mesmo aquele bairro em particular. Às vezes sua vida muda... Você muda.... E seu lar muda para um lugar diferente. Brás percebeu que o lar não é um lugar físico, mas um conjunto de elementos que envolve as pessoas com quem você vive - uma sensação, um estado de espírito. Ele se sente seguro sabendo que mesmo quando está longe... Ainda existe um Lar... Aguardando seu retorno. É onde ele pode descansar. Onde ele encontra a paz.
- Fabio Moon e Gabriel Bá, in Daytripper, p. 234.
- Fabio Moon e Gabriel Bá, in Daytripper, p. 234.
Consequências
As pessoas sempre acreditam em milagres. É da sua natureza acreditar que as coisas podem melhorar misteriosamente. Se tudo mais der errado, forças superiores as ajudarão quando for preciso. E as pessoas fazem isso porque sabem que a verdadeira essência da vida é que, desde o princípio, a qualquer momento, tudo pode dar errado.
- Fabio Moon e Gabriel Bá, in Daytripper, p. 229.
- Fabio Moon e Gabriel Bá, in Daytripper, p. 229.
terça-feira, 5 de abril de 2016
Casulo de Fogo
Quando se tem um sonho pelo qual se quer lutar, as pessoas são capazes de tudo, menos de esquecer esse sonho, ou deixa-lo para lá. Eu não sou. Acho que nunca vou ser (obrigada mãe, de novo!). Mesmo que por algum tempo eu me afaste deles, deixe-os de lado, fechados em uma caixinha em algum lugar escuro da vida, mais cedo ou mais tarde eu a pego novamente, abro, cuido, alimento. Eu me dedico a deixar crescer, até onde me for possível levar.
Acreditar nesses sonhos é saber reconhecer que há algumas coisas na vida que fazemos para sobreviver. Mas há outras, mais fortes, intensas, que nos tiram o chão e o ar, e que são aquelas que nos permitem viver. Se, por um lado, a vida me cobrou a responsabilidade de uma mulher adulta que deve se posicionar diante dos fatos e cuidar da casa, estar presente, ser presença, trabalhar, estudar, se sustentar (em todas as possibilidades que isso possa ter), etc. etc. etc.; por outro lado, há também uma alma viva que mantém em si algumas esperanças, que desce constantemente do castelo da profissional, acadêmica, pessoa, que tenta ser exemplar, para por entre as ruelas da plebe trocar o figurino, maquiar a cara e lançar textos ao vento, para quem estiver disposto a ouvir.
O quanto eu sinto – e lamento mesmo! – por ter acreditado quando me diziam que “a gente vive em um país em que é impossível viver de arte”! O quanto eu sinto por não ter me esforçado mais, querido mais, tentado mais, sim, “viver de arte” nesse país em que “não se vive de arte”. Então agora, momento bem concreto em que me vejo voltando aos meus sonhos e deixando um pouquinho de lado o que sonharam para mim, é que eu vejo o quanto eu sou feliz. O quanto algo tão “pequeno”, que “não dá dinheiro”, me oferece tanto de vida. Se hoje não sobrevivo de arte, eu vivo – e não há nada mais que eu espere disso.
É com base nesses sonhos sonhados e, agora, vividos, que surge “Casulo de Fogo”. Sob o título original de “Laranja-fogo. Cor-de-céu”, o texto é um projeto que surgiu coletivamente em 2013. A primeira encenação aconteceu naquele mesmo ano, um ano conturbado na minha vida pessoal, e que demarca em muito a pessoa que já cheguei a ser. Depois, foi ao ar pelo site do Núcleo de Dramaturgia SESI/Teatro Guaíra, e ficou arquivado em uma dessas caixinhas dos cantos escuros da vida. Até que no final de 2015 o projeto voltou a ser sonhado. Nesse final de ano encontrei Rodrigo Carvalho, diretor da atual montagem, que já trazido por outros carnavais, topou o desafio comigo e, logo em seguida, trouxe Marina Bari para complementar esse trabalho tão especial. Tentando “viver de arte” no país do futebol, sem qualquer incentivo financeiro por parte de qualquer instituição pública ou privada, Casulo de Fogo renasce das cinzas, assim como o próprio roteiro diz, para recriar vidas – principalmente a minha própria – e assumir a sua função: “ninguém jamais escreveu ou pintou, esculpiu, modelou, construiu ou inventou senão para sair do inferno” (Antonin Artaud).
Casulo de Fogo, exerça sua cura! Evoé!
Casulo de Fogo, exerça sua cura! Evoé!
sábado, 2 de abril de 2016
Imprevistos
E lá estava ele, sonhando com o futuro. Tudo lhe parecia claro, certo. E pronto para ele. Não havia mistério, não havia medo, estava logo ali virando a esquina. Então Brás acordou e percebeu que, quando você vira a esquina, o futuro que você escreveu e desejou nem sempre está à sua espera. Na verdade, às vezes não é nada mais do que você estava esperando... O que existe lá é só mais um grande e irritante ponto de interrogação. Chamado vida.
- Fábio Moon e Gabriel Bá, in Daytripper.
- Fábio Moon e Gabriel Bá, in Daytripper.
sábado, 19 de março de 2016
Contra-venções
Parece nunca ter sido tão claro como é agora, todas essas contradições... É essa sensação de não querer me envolver, de não querer dividir uma vida com alguém, de querê-la só pra mim, mas ao mesmo tempo essa vontade tão grande de casar, de ter filhos; e que parece tão urgente e emergente.
Da mesma forma é essa quebra de certas. É o fato de que até ontem eu tinha certezas em minhas mãos e agora eu só tenho um martelo imenso e me vejo destruindo um muro com a certeza de que devo ir para aquele outro lado, sem nem fazer ideia do que tem daquele lado. Até ontem eu tinha a certeza de um mestrado em andamento, a certeza de um trabalho que me garantia todas as autonomias necessárias, a certeza de que meus relacionamentos são sólidos, seguros e me satisfazem. Mas, de repente, hoje eu vejo que o que eu tenho é um mestrado que está prestes a acabar, um trabalho que estou trocando por outro, tão incerto; e a aposta em entrar em um relacionamento que não sei bem como é, mas que quero. Que desejo e desejo muito.
Da mesma forma é essa quebra de certas. É o fato de que até ontem eu tinha certezas em minhas mãos e agora eu só tenho um martelo imenso e me vejo destruindo um muro com a certeza de que devo ir para aquele outro lado, sem nem fazer ideia do que tem daquele lado. Até ontem eu tinha a certeza de um mestrado em andamento, a certeza de um trabalho que me garantia todas as autonomias necessárias, a certeza de que meus relacionamentos são sólidos, seguros e me satisfazem. Mas, de repente, hoje eu vejo que o que eu tenho é um mestrado que está prestes a acabar, um trabalho que estou trocando por outro, tão incerto; e a aposta em entrar em um relacionamento que não sei bem como é, mas que quero. Que desejo e desejo muito.
quarta-feira, 2 de março de 2016
Sufoco
Calor. esquentando. Pensa: estamos presos em uma caixa, e a caixa foi arremessada pela cratera de um vulcão.
- Anthony Doerr, in Toda luz que não podemos ver, p. 103.
- Anthony Doerr, in Toda luz que não podemos ver, p. 103.
Casulo
- Como um caramujo.
Ela ouve por acaso Etienne falar perto da porta dela.
- Toda encolhida ali dentro.
No entanto, ela está com raiva. De Etienne, por fazer tão pouco, de Madame Manec, por fazer tanto, do pai dela, por não estar aqui para fazer entendê-la a ausência dele. dos olhos dela, por não funcionarem. De tudo e de todos. Quem sabia que o amor poderia matar?
- Anthony Doerr, in Toda Luz que não podemos ver, p. 230.
Ela ouve por acaso Etienne falar perto da porta dela.
- Toda encolhida ali dentro.
No entanto, ela está com raiva. De Etienne, por fazer tão pouco, de Madame Manec, por fazer tanto, do pai dela, por não estar aqui para fazer entendê-la a ausência dele. dos olhos dela, por não funcionarem. De tudo e de todos. Quem sabia que o amor poderia matar?
- Anthony Doerr, in Toda Luz que não podemos ver, p. 230.
sábado, 27 de fevereiro de 2016
sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016
Ao contrário
Embora com frequência eu precise parar na Leopoldina para pegar ônibus quando venho de algum lugar do Rio para Niterói, hoje a sensação foi totalmente diferente. Costumeiramente eu preciso descer em um lado da pista e pegar outro ônibus nesse mesmo lado, às vezes apenas em outra pista. Hoje, porém, eu parei no lado contrário. Durante alguns segundos, parar no lado contrário de um lugar em que eu sempre paro me deixou completamente perdida. Eu simplesmente não conseguia me orientar. Eram as mesmas árvores, as mesmas passarelas, as banquinhas de pipocas e doces, os vendedores ambulantes, o mesmo cheiro de fritura no ar. Estava tudo igual, mas eu estava do lado contrário.
Disso, e depois de me orientar, atravessar a passarela toda e descer do outro lado; me ficou uma outra sensação, tão importante quanto: a gente se acostuma com as coisas. A gente se habitua tanto que qualquer mínima alteração em um dado curso causa estranhamento e desorientação. E mais do que isso – e isso sim é assustador – nos habituamos inclusive com as coisas que nos incomodam! Como conversava com uma pessoa querida ontem, como é perigoso quando, por vezes, nos deixamos satisfazer com a insatisfação. Temos um problema sério: perdemos a razão de ser/fazer/querer alguma e qualquer coisa. A vida vira rotina. O curso não é maravilhoso, mas tudo bem. Seu emprego está uma merda, mas tudo bem. Você não sabe por onde começar a organizar sua casa, mas tudo bem. Você ainda não sabe o que quer dos próximos anos de sua vida, mas tudo bem. Nesse ínterim nos submetemos a descasos, a maus tratos, a violências de todas as ordens.
Acostumar-se é um risco sério. Muitas vezes maquinizar o corpo é também maquinizar a alma e diante de cada passo perder a esperança de dias melhores. Acostumamo-nos com a corrupção, com o descaso com a saúde e a educação, com a violência urbana, com a impunidade política. Acostumamo-nos sem perceber que se acostumar é desrespeitar a vida que pulsa de forma única dentro de cada pessoa e que nos incita a dizer não quando não se quer dizer não e a dizer sim quando o desejo assim nos conduz.
Hoje, naqueles trinta segundos entre descer do ônibus, entender onde estava, onde precisava ir e como chegar lá, uma luz se acendeu bem em frente aos meus olhos e me mostrou que há muitos nãos querendo ser SIM e muitos sins querendo ser NÃO, e que eu não os estou ouvindo – eles batem em minha porta, mas eu, que estou do lado contrário não escuto. Há muitas insatisfações vivendo no peito e talvez sejam elas que volte e meia nos tiram o sono e enchem os olhos de lágrimas. Não, a insatisfação não pode simplesmente chegar aqui e se acomodar. Ela exige coragem para atravessar a rua pelo lado que você não conhece, exige paciência para acolher o que teme e, acima de tudo, exige autenticidade para “não se acomodar com o que incomoda”, para permitir se virar do lado contrário, revirar se preciso for, e se reinventar todos os dias.
- Originalmente publicado em Olhares e silêncio, Obvious.
Disso, e depois de me orientar, atravessar a passarela toda e descer do outro lado; me ficou uma outra sensação, tão importante quanto: a gente se acostuma com as coisas. A gente se habitua tanto que qualquer mínima alteração em um dado curso causa estranhamento e desorientação. E mais do que isso – e isso sim é assustador – nos habituamos inclusive com as coisas que nos incomodam! Como conversava com uma pessoa querida ontem, como é perigoso quando, por vezes, nos deixamos satisfazer com a insatisfação. Temos um problema sério: perdemos a razão de ser/fazer/querer alguma e qualquer coisa. A vida vira rotina. O curso não é maravilhoso, mas tudo bem. Seu emprego está uma merda, mas tudo bem. Você não sabe por onde começar a organizar sua casa, mas tudo bem. Você ainda não sabe o que quer dos próximos anos de sua vida, mas tudo bem. Nesse ínterim nos submetemos a descasos, a maus tratos, a violências de todas as ordens.
Acostumar-se é um risco sério. Muitas vezes maquinizar o corpo é também maquinizar a alma e diante de cada passo perder a esperança de dias melhores. Acostumamo-nos com a corrupção, com o descaso com a saúde e a educação, com a violência urbana, com a impunidade política. Acostumamo-nos sem perceber que se acostumar é desrespeitar a vida que pulsa de forma única dentro de cada pessoa e que nos incita a dizer não quando não se quer dizer não e a dizer sim quando o desejo assim nos conduz.
Hoje, naqueles trinta segundos entre descer do ônibus, entender onde estava, onde precisava ir e como chegar lá, uma luz se acendeu bem em frente aos meus olhos e me mostrou que há muitos nãos querendo ser SIM e muitos sins querendo ser NÃO, e que eu não os estou ouvindo – eles batem em minha porta, mas eu, que estou do lado contrário não escuto. Há muitas insatisfações vivendo no peito e talvez sejam elas que volte e meia nos tiram o sono e enchem os olhos de lágrimas. Não, a insatisfação não pode simplesmente chegar aqui e se acomodar. Ela exige coragem para atravessar a rua pelo lado que você não conhece, exige paciência para acolher o que teme e, acima de tudo, exige autenticidade para “não se acomodar com o que incomoda”, para permitir se virar do lado contrário, revirar se preciso for, e se reinventar todos os dias.
- Originalmente publicado em Olhares e silêncio, Obvious.
É para ficar?
Corri até sentir que todo o açúcar que eu tinha ingerido hoje tinha saído pelos meus poros. Chorei com raiva e proporcional ao ódio que eu sentia de mim.
Ana e Mia. Eu não chamei, mas vocês voltaram.
Ana e Mia. Eu não chamei, mas vocês voltaram.
quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016
Consciência turva
Existem consciências que, em certos dias, se matariam por uma simples contradição, e não há necessidade, para isso, de ser louco, louco reconhecido e catalogado; basta, ao contrário, gozar de boa saúde e ter a razão a seu favor.
- Antonin Artaud, in Linguagem e Vida, p. 290.
- Antonin Artaud, in Linguagem e Vida, p. 290.
Em restos
(...) Num incêndio,
num bombardeio,
numa explosão,
vingadores daquela pedra de amolar que o pobre Van Gogh, o louco, carregou no pescoço a vida inteira.
A amolação de pintar sem saber para quê nem para onde.
Pois não é para este mundo,
nunca é para esta terra que nós todos sempre trabalhamos,
lutamos,
bramimos de horror, de fome, de miséria, de ódio, de escândalo e de desgosto,
que fomos todos envenenados,
embora por ela tenhamos sido todos enfeitiçados,
e que enfim nos suicidamos,
pois não somos todos, como o pobre Van Gogh, suicidados pela sociedade!
- Antonin Artaud, in Van Gogh, o suicidado da sociedade, p. 282-3.
num bombardeio,
numa explosão,
vingadores daquela pedra de amolar que o pobre Van Gogh, o louco, carregou no pescoço a vida inteira.
A amolação de pintar sem saber para quê nem para onde.
Pois não é para este mundo,
nunca é para esta terra que nós todos sempre trabalhamos,
lutamos,
bramimos de horror, de fome, de miséria, de ódio, de escândalo e de desgosto,
que fomos todos envenenados,
embora por ela tenhamos sido todos enfeitiçados,
e que enfim nos suicidamos,
pois não somos todos, como o pobre Van Gogh, suicidados pela sociedade!
- Antonin Artaud, in Van Gogh, o suicidado da sociedade, p. 282-3.
Dia de aniversário
No dia do aniversário
A gente às vezes tem vontade
De se esconder dentro do armário
Mas aí vem um com um beijo
Outro realizando um desejo
E aquele que está sempre atrasado
Chega super animado
Estourando um champanhe
Mesmo que eu estranhe
E não entenda muito bem
Porque tantos parabéns
Fico feliz com os presentes
Aguento melhor os parentes
E não me pergunto na hora
O que há de mentirinha
Nessa anual história
Quem me dera tanto afeto
Duas vezes por semana
Pra derreter a couraça
Pra amenizar minha gana
Congelaria se possível
Muitos pedaços do bolo
Pra durante o ano carente
Comê-los como consolo.
A gente às vezes tem vontade
De se esconder dentro do armário
Mas aí vem um com um beijo
Outro realizando um desejo
E aquele que está sempre atrasado
Chega super animado
Estourando um champanhe
Mesmo que eu estranhe
E não entenda muito bem
Porque tantos parabéns
Fico feliz com os presentes
Aguento melhor os parentes
E não me pergunto na hora
O que há de mentirinha
Nessa anual história
Quem me dera tanto afeto
Duas vezes por semana
Pra derreter a couraça
Pra amenizar minha gana
Congelaria se possível
Muitos pedaços do bolo
Pra durante o ano carente
Comê-los como consolo.
- Elisa Dias Batista
terça-feira, 23 de fevereiro de 2016
Sorriso anônimo
Esse final de semana foi todo confuso. Uma confusão no meu quarto, uma confusão nas minhas coisas, uma confusão na minha vida. Uma confusão de diversas ordens que se generalizou e tomou conta da minha existência como se fosse um furacão que, sem saber ao certo para onde ir, tira tudo do lugar.
Aí eu fui tentar fazer um pouco dessa ansiedade toda diminuir indo à igreja, que de alguma forma me traz algum conforto. E foi ao mesmo tempo estranho, curioso e lindo.
Quando fui comungar eu estava em uma fila com uma mulher que eu sempre vejo na igreja e que sempre me chamou alguma forma de atenção que eu não sei dizer bem o que é, mas que há alguma coisa. Obviamente, eu nunca disse nada a ela, sequer tive a oportunidade de cumprimentá-la de perto. Eu apenas admirava ao longe. Mas nesse dia eu optei por ir na fila com ela, até porque havia duas opções ali. E quando foi me entregar a hóstia ela deu um sorriso lindo. Mas, eu coloquei a mão direita em cima da esquerda na hora de receber e o sorriso dela se desfigurou um pouco. E ela disse, esse é embaixo. Então saiu muito espontâneo um "mas eu sou canhota!". Aquele mesmo sorriso voltou, acompanhado de um "ah, meu Deus, desculpa!" e ela colocou a mão na minha bochecha e de lá pra cá parece que a mão dela continua aqui. Aquela desconhecida com um sorriso bonito, aquela mulher cujo nome não sei, cujo endereço não faço ideia. Parece que aquele toque, tão sem segundas intenções, tão gentil e tão simples, foi um jeito de me dizer "ei, fica tranquila, que está tudo bem. Essa nuvem negra vai passar".
De lá para cá o coração acalmou um pouco. Mas essa imagem não sai da cabeça.
Como não acreditar em Deus?
Aí eu fui tentar fazer um pouco dessa ansiedade toda diminuir indo à igreja, que de alguma forma me traz algum conforto. E foi ao mesmo tempo estranho, curioso e lindo.
Quando fui comungar eu estava em uma fila com uma mulher que eu sempre vejo na igreja e que sempre me chamou alguma forma de atenção que eu não sei dizer bem o que é, mas que há alguma coisa. Obviamente, eu nunca disse nada a ela, sequer tive a oportunidade de cumprimentá-la de perto. Eu apenas admirava ao longe. Mas nesse dia eu optei por ir na fila com ela, até porque havia duas opções ali. E quando foi me entregar a hóstia ela deu um sorriso lindo. Mas, eu coloquei a mão direita em cima da esquerda na hora de receber e o sorriso dela se desfigurou um pouco. E ela disse, esse é embaixo. Então saiu muito espontâneo um "mas eu sou canhota!". Aquele mesmo sorriso voltou, acompanhado de um "ah, meu Deus, desculpa!" e ela colocou a mão na minha bochecha e de lá pra cá parece que a mão dela continua aqui. Aquela desconhecida com um sorriso bonito, aquela mulher cujo nome não sei, cujo endereço não faço ideia. Parece que aquele toque, tão sem segundas intenções, tão gentil e tão simples, foi um jeito de me dizer "ei, fica tranquila, que está tudo bem. Essa nuvem negra vai passar".
De lá para cá o coração acalmou um pouco. Mas essa imagem não sai da cabeça.
Como não acreditar em Deus?
Sobre a arte e a vida
É o momento em que o teatro se tornou função de uma substituição. À vida ordinária o teatro opõe um estado de vida poética resplandecente, porém falsa. À vida psicológica, uma outra vida psicológica, apenas mais avultada, apenas mais monstruosa. As personagens manejam facas, mas o que comem, mesmo no plano simbólico, não tem mais sentido. Nós estamos, agora, no estágio da vida aplicada, onde tudo desapareceu; no estado de estagnação em que o homem vive de seu dote, com uma reserva sentimental e moral há um século imutável.
- Antonin Artaud, in Linguagem e Vida, p. 71.
- Antonin Artaud, in Linguagem e Vida, p. 71.
terça-feira, 9 de fevereiro de 2016
Do lado de fora
Hoje tirei tudo que havia de você das gavetas.
Abri a portas do guarda-roupas e, uma a uma, separei suas
coisas das minhas, a minha vida da sua. Tirei, organizei, limpei com água e
escova tudo o que ainda havia de você dentro do meu quarto. Empilhei tudo em
caixas e levei pra baixo, deixei do lado de fora do portão. A noite choveu,
pela manhã o sol. Mais tarde alguns adolescentes passaram e chutaram as caixas
com os pedaços de você. Mas, mesmo
agora, ninguém te recolheu.
quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016
"Desassossegos sentam na varanda"
Desde de criança uma canção toca meu coração... Na voz de João Chagas Leite, "meus desassossegos sentam na varanda, pra matear saudades nesta solidão. Cada pôr de sol dói feito uma brasa, queimando lembranças do meu coração".
Mesmo quando criança, aprendi a valorizar a tradição gaúcha, de meus pais e avós, que embora pouco vivida por mim, desde sempre foi sentida. Junto com os três beijos para o comprimento, a partilha das rodas de chimarrão, as bombachas de meu avô caminhando pelo gramada do casarão da família de minha mãe. "Queimando lembranças" também ao "matear com a ausência, de quem já se foi". Sem dúvida, aquele "desassossego".
Os tempos mudam. Não tenho mais meus sete anos, nem as bombachas de meu avô correm pelo gramado. As rodas de chimarrão em que se mateia para falar da vida, do vento, da chuva, são cada vez mais frequentes. É tanto "desencanto para um só campeiro, que de tanto amor se desconsolou", que em cada entardecer da vida, "meus desassossegos sentam na varanda".
Aliás, creio que para todos há um certo momento da vida em que "sossego" se torna uma palavra difícil de ser compreendida pelo coração. Ela passa pelas linhas cruzadas do pensamento, dos afetos e das emoções e não diz nada compreensível. Ao menos, nada possível de ser compreendido do ponto de vista da razão. É este aquele momento em que o coração fala mais alto e ainda assim tomar uma decisão é parte delicada do dia e da vida. Engraçado que parece que quanto mais decisões são tomadas, ao longo da vida, mais difíceis são de serem executadas.
Nesses momentos se percebe que na quarta-feira já foram comidos todos os doces a que se teria direito de comer na semana toda. Percebe também que já tirou o esmalte das unhas, que deveriam durar até o sábado. Todos os 35km semanais que habitualmente são corridos já foram percorridos sem nem ao menos se dar conta. Por fim, mas sem parar por aí, dormir na cama e acordar no chão da sala se torna rotina.
Na "adultez" há sempre alguma coisa que desassossega o coração. Não é aquele artigo final que há semanas você ficou de entregar para o orientador. Não é também aquela situação sem solução que faz três dias que você está tentando resolver no trabalho e nem a ligação telefônica que você ainda não fez. Não se trata também de optar por seguir esta ou aquela carreira profissional. Tampouco o desassossego surge do resultado do concurso que não sai. Pois ele já saiu, pois você já resolveu, pois você já "comeu o mundo" em uma lata de brigadeiro e já chorou litros no desespero do medo do futuro. Você já fez sua escolha sobre partir ou ficar, já sabe o que quer e o que acha que deve querer - e só você sabe a confusão danada que essas duas discrepâncias fazem no coração, na vida, no dia a dia.
Só você, que mateia com esses "desassossegos na varanda" sabe que perde a cabeça de vez em quando e que parece que sua outra metade ficou esquecida lá na esquina, enquanto esta metade aqui não quer mais sentir nada.
Sabe, ser adulto também já deve ter lhe ensinado que desistir não é permito, por mais que isso lhe convenha. E, se quiser, se topar, se achar que tem peito para isso, é o momento. Desistir de um grande sonho ou de um simples pesadelo cotidiano que aterroriza seus sonhos há algumas semanas e que insiste em ficar, ficar, ficar, tantas e tantas vezes é um "desassossego" sobre o qual se deve posicionar.
Mesmo quando criança, aprendi a valorizar a tradição gaúcha, de meus pais e avós, que embora pouco vivida por mim, desde sempre foi sentida. Junto com os três beijos para o comprimento, a partilha das rodas de chimarrão, as bombachas de meu avô caminhando pelo gramada do casarão da família de minha mãe. "Queimando lembranças" também ao "matear com a ausência, de quem já se foi". Sem dúvida, aquele "desassossego".
Os tempos mudam. Não tenho mais meus sete anos, nem as bombachas de meu avô correm pelo gramado. As rodas de chimarrão em que se mateia para falar da vida, do vento, da chuva, são cada vez mais frequentes. É tanto "desencanto para um só campeiro, que de tanto amor se desconsolou", que em cada entardecer da vida, "meus desassossegos sentam na varanda".
Aliás, creio que para todos há um certo momento da vida em que "sossego" se torna uma palavra difícil de ser compreendida pelo coração. Ela passa pelas linhas cruzadas do pensamento, dos afetos e das emoções e não diz nada compreensível. Ao menos, nada possível de ser compreendido do ponto de vista da razão. É este aquele momento em que o coração fala mais alto e ainda assim tomar uma decisão é parte delicada do dia e da vida. Engraçado que parece que quanto mais decisões são tomadas, ao longo da vida, mais difíceis são de serem executadas.
Nesses momentos se percebe que na quarta-feira já foram comidos todos os doces a que se teria direito de comer na semana toda. Percebe também que já tirou o esmalte das unhas, que deveriam durar até o sábado. Todos os 35km semanais que habitualmente são corridos já foram percorridos sem nem ao menos se dar conta. Por fim, mas sem parar por aí, dormir na cama e acordar no chão da sala se torna rotina.
Na "adultez" há sempre alguma coisa que desassossega o coração. Não é aquele artigo final que há semanas você ficou de entregar para o orientador. Não é também aquela situação sem solução que faz três dias que você está tentando resolver no trabalho e nem a ligação telefônica que você ainda não fez. Não se trata também de optar por seguir esta ou aquela carreira profissional. Tampouco o desassossego surge do resultado do concurso que não sai. Pois ele já saiu, pois você já resolveu, pois você já "comeu o mundo" em uma lata de brigadeiro e já chorou litros no desespero do medo do futuro. Você já fez sua escolha sobre partir ou ficar, já sabe o que quer e o que acha que deve querer - e só você sabe a confusão danada que essas duas discrepâncias fazem no coração, na vida, no dia a dia.
Só você, que mateia com esses "desassossegos na varanda" sabe que perde a cabeça de vez em quando e que parece que sua outra metade ficou esquecida lá na esquina, enquanto esta metade aqui não quer mais sentir nada.
Sabe, ser adulto também já deve ter lhe ensinado que desistir não é permito, por mais que isso lhe convenha. E, se quiser, se topar, se achar que tem peito para isso, é o momento. Desistir de um grande sonho ou de um simples pesadelo cotidiano que aterroriza seus sonhos há algumas semanas e que insiste em ficar, ficar, ficar, tantas e tantas vezes é um "desassossego" sobre o qual se deve posicionar.
segunda-feira, 25 de janeiro de 2016
Maldições
O que é a cegueira? Onde deveria haver uma parede, as mão nada encontram. Onde não deveria haver nada, uma perna de mesa arranha sua canela. Roncos de carros nas ruas; murmúrio de folhas pelo céu; o sussurro do sangue em seus ouvidos. Na escada, na cozinha, mesmo ao lado da cama, vozes de adultos falam sobre desespero.
(...)
O desespero não dura. Marie-Laure é jovem demais, e seu pai paciente demais. Maldições, ele lhe assegura, não existem. Existe sorte, talvez, boa ou má. Cada dia com uma leve inclinação ao sucesso ou ao fracasso.
- Anthony Doerr, in Toda luz que não podemos ver, p. 36.
(...)
O desespero não dura. Marie-Laure é jovem demais, e seu pai paciente demais. Maldições, ele lhe assegura, não existem. Existe sorte, talvez, boa ou má. Cada dia com uma leve inclinação ao sucesso ou ao fracasso.
- Anthony Doerr, in Toda luz que não podemos ver, p. 36.
quarta-feira, 13 de janeiro de 2016
Sobre o que passa e volta
Antigamente, quando ficava triste, eu queria que a alegria viesse em meu socorro em minutos, como se ela fosse a próxima estação do metrô. Não queria atravessar ruas desertas, pontes frágeis, transversais melancólicas, não queria percorrer um trajeto longo até conquistar um estado de espírito melhor. Queria transformação imediata: da estação Tristeza para a estação Hip-Hip-Hurra, sem escala e sem demora.
Eu era ingênua em acreditar que poderia governar meus sentimentos. Como se fosse possível passar por estações deprimentes sem as ver, deixá-las para sempre presas no underground e saltando nas estações que interessam: Euforia, Segurança, Independência. Os pontos turísticos mais procurados.
Viver é uma caminhada e tanto, não tem essa colher de chá de selecionar onde descer. É preciso passar por tudo: pelo desânimo, pela desesperança, pela sensação de fracasso e fraqueza, até que a gente consiga chegar a uma praça arborizada onde iniciam outras dezenas de ruas, outras tantas passagens, e a gente segue caminhando, segue caminhando.
Locomover-se desse jeito é cansativo e lento, mas sei que não existe outra maneira consciente de avançar. Metrôs oferecem idas e vindas às cegas. Mantém nossas evoluções escondidas no subterrâneo. A gente não consegue enxergar o que há entre um desgosto e um perdão, entre uma mágoa e uma gargalhada, entre o que a gente era e o que a gente virou.
Não tem sido fácil, mas sinto orgulho por ter aprendido a atravessar, em plena luz do dia, o que em mim é sombrio e intricado. Não me economizo mais. Me gasto.
Eu era ingênua em acreditar que poderia governar meus sentimentos. Como se fosse possível passar por estações deprimentes sem as ver, deixá-las para sempre presas no underground e saltando nas estações que interessam: Euforia, Segurança, Independência. Os pontos turísticos mais procurados.
Viver é uma caminhada e tanto, não tem essa colher de chá de selecionar onde descer. É preciso passar por tudo: pelo desânimo, pela desesperança, pela sensação de fracasso e fraqueza, até que a gente consiga chegar a uma praça arborizada onde iniciam outras dezenas de ruas, outras tantas passagens, e a gente segue caminhando, segue caminhando.
Locomover-se desse jeito é cansativo e lento, mas sei que não existe outra maneira consciente de avançar. Metrôs oferecem idas e vindas às cegas. Mantém nossas evoluções escondidas no subterrâneo. A gente não consegue enxergar o que há entre um desgosto e um perdão, entre uma mágoa e uma gargalhada, entre o que a gente era e o que a gente virou.
Não tem sido fácil, mas sinto orgulho por ter aprendido a atravessar, em plena luz do dia, o que em mim é sombrio e intricado. Não me economizo mais. Me gasto.
- Matha Medeiros, in Estações.
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