E se eu fecho os olhos por medo de ver a luz, o que posso
ver?! O que possuía e não conseguia ver ou aquilo que por medo, desisti de ter?
Se fecho os olhos e cerro os lábios, se durmo com os ombros tensos por medo de
dormir e não acordar, acabo por não dormir?! O quanto se paga por aquilo que se
desiste?! Quanto se perde com o que se negou a ter? Desejo bandido que destoa,
noite a dentro, do som das corujas e do miado dos gatos. Desejo encantado que
desiste do brilho das estrelas para possuir a negritude da rua.
Supere isto. E se não puder, supere o vício de falar a respeito (Caio Fernando Abreu). ESCREVA.
quarta-feira, 17 de outubro de 2012
Nada
“Nada”. Não queria nada. Alías, queria sim. Queria que fosse
embora. Buscava ser entendida, vivida e não apenas lembrada por sua
descompostura e inconstância. Ela ainda era uma menina e disto não havia
dúvidas, de que esperava que a vida e o tempo se articulassem ao seu ritmo e
não o oposto, pois era cômoda demais e sempre esperava que as lembranças não a
atormentassem ou que ao menos não incomodassem por tempo suficiente a se
aventurar em um novo romance, mais seco e da mesma forma menos romântico. Buscava
um romance que lhe fosse ardido, colérico e menos vulgar, o que de certa forma
o tornava menos intenso e menos passional. No final de suas linhas, sempre um
adeus, um até mais sem fim ou um beijo seco e forte, ao sabor de chocolate meio
amargo. Em contrapartida, desejava um olá sincero e compromissado, um
cumprimento que lhe soasse simples e confortante – talvez por conta disto
mergulhasse por muitas vezes na insatisfação de relacionamentos promíscuos e
superficiais. “Pare. Seque essas lágrimas falsas e vá embora”, era tudo o que
desejava: que se fosse, que abandonasse seus sonhos, seus projetos futuros, e
que fosse embora com a chuva que batia com intensidade na janela ou como as
lágrimas que escorriam quentes de sua face ruborizada por um misto de raiva e
displicência. E num piscar de olhos, a silhueta dele não era mais que um vulto
na escuridão, nada além de uma mancha negra que se desfazia, murcha, no
infinito de seus olhos úmidos e descompassados.
domingo, 23 de setembro de 2012
Vida de atriz
Arrepio na pele, um sopro de vento pela frestinha da janela. Despira-se em frente ao espelho, olhos fixados na circunferência do abdômen que para ela estava grande demais. Ligou o chuveiro, deixou um pouco de água correr pelo ralo. Fim de tarde gelado de primavera. O dia tinha cara de inverno.
Pé por pé no piso molhado, com cuidado, fechou a porta do box do banheiro. Queria um banho demorado. Almejava ficar alguns minutos a mais sob a água quentinha que deslizava pelas curvas de seu corpo deixando levemente vermelha a pela muito branca. A tatuagem negra no braço era quase incongruente com sua aparência frágil de mulher ainda não totalmente crescida. Rude, diante das maçãs do rosto vermelhas, delicadas e salientes. Ensaboou e enxaguou o corpo. Junto com a água quente espumada que descia ralo abaixo, algumas lágrimas. Sentou-se no piso gelado e chorou. Chorou com a água que a aquecia e que partia. Chorou pelas milhares de células mortas que deixavam seu corpo perfumado. Chorou com os cabelos encharcados caindo-lhe sobre os olhos. Chorou um pouco. Mas não muito. Um último suspiro debaixo do chuveiro, esfregou os olhos vermelhos, a toalha branca e felpuda secando cada gota de água, cada lágrima perdida. Poucos minutos depois, em cima de saltos altos, negros e brilhantes, desfilava ela pela calçada. A desconhecida que chorara no banho. Ia, olhar firme, para o teatro, desempenhar mais uma noite de Medéia e seus amores.
Pé por pé no piso molhado, com cuidado, fechou a porta do box do banheiro. Queria um banho demorado. Almejava ficar alguns minutos a mais sob a água quentinha que deslizava pelas curvas de seu corpo deixando levemente vermelha a pela muito branca. A tatuagem negra no braço era quase incongruente com sua aparência frágil de mulher ainda não totalmente crescida. Rude, diante das maçãs do rosto vermelhas, delicadas e salientes. Ensaboou e enxaguou o corpo. Junto com a água quente espumada que descia ralo abaixo, algumas lágrimas. Sentou-se no piso gelado e chorou. Chorou com a água que a aquecia e que partia. Chorou pelas milhares de células mortas que deixavam seu corpo perfumado. Chorou com os cabelos encharcados caindo-lhe sobre os olhos. Chorou um pouco. Mas não muito. Um último suspiro debaixo do chuveiro, esfregou os olhos vermelhos, a toalha branca e felpuda secando cada gota de água, cada lágrima perdida. Poucos minutos depois, em cima de saltos altos, negros e brilhantes, desfilava ela pela calçada. A desconhecida que chorara no banho. Ia, olhar firme, para o teatro, desempenhar mais uma noite de Medéia e seus amores.
segunda-feira, 10 de setembro de 2012
Metáfora da estrela
Estrelinhas que seguem caminhos escuros no céu, passam dia e noite clareando. Elas têm luz própria, uma luz que brilha sempre, sempre, mas que não são sempre vistas. E que mesmo que em boa parte do dia elas não sejam reconhecidas, se não estivessem ali, se todas "viajassem" sem volta, fariam falta, porque o dia seria mais escuro e a noite quase imperceptível. E então é assim que cada estrelinha cumpre seu papel e que mesmo que uma delas em específico não queira desempenhá-lo, as outras precisam de sua ajuda para que a via lactea possa ser completamente observada. Pode-se fazer um caminho diferente, de vez em quando, é permitido cansar e desligar por uma noite, mas as estrelas sabem que jamais conseguirão fugir de serem estrelas.
quinta-feira, 6 de setembro de 2012
Mas eu queria dizer...
Eu queria dizer, meu bem, que as noites não chegam antes que o dia se acabe, ou que a lua brilhe tanto quanto for necessário para se fazer ver. Eu queria dizer, meu bem, que as estrelas hoje brilham mais forte, porque os sonhos viajaram sem volta para o céu. Que se ontem foi dia de chuva, hoje as folhas sorriem sob raios de sol. Queria dizer, que sonho não se esquece, não se deixa, mas que às vezes troca de cor. Que vozes doces saem de copos de vidro vazios e da boca de artistas de rua. Queria, queria dizer, sim, que toda dor importa e merece ser ouvida, mas que também merece ser perdoada, retomada, desdobrada. Hoje eu queria dizer, que se ser eu é ser assim, assim aceitarei viver para sempre, um sempre sem fim.
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