terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Dois anos e o que há para comemorar?

São dois anos. Dois anos e haviam me dito que eu poderia comemorar, como se comemoram as festas de aniversário, sabe? Ano passado a gente fez bolo, apagou velinha, se abraçou e todo mundo chorou sozinho, cada um no seu quarto, no final do dia. Foi bonito, mas na verdade não tem muito cara de aniversário. Com certeza tem uma certa marca, algo que fica desse um ano inteirinho que passou. As conquistas: a volta para Niterói, a dor zero, o parar de usar medicação pra dormir e pra não se sentir o tempo todo triste, o chegar um pouquinho mais tarde da noite sozinha em casa, o ritmo quase totalmente normal. Mas sabe o nó na garganta? Continua. Esses dois anos me deram medidas suficientes para entender que eu não tenho nenhuma consequência direta do que aconteceu, que aliás, até indiretamente é difícil de pensar no que eu ainda estou perdendo. Só tem esse nó na garganta. É só esse nó. Só que o problema é que de vez em quando ele fica apertado demais, ele cria umas amarras que parece que nunca mais vai soltar. Ele aperta principalmente com os sonhos, esses suspiros do inconsciente que vêm nas noites que antecipadamente já dava para sentir que não seriam tranquilas. E aí, quando enrosca desse jeito, é bem difícil de soltar. Dá vontade de sair gritando que ainda tá doendo e que não é pouco. Que ainda tá dolorido que nem doía na pele da primeira vez. A diferença é que a gente fica nesse ciclo louco de se repetir e o que dói é no fundinho do coração, porque ele não se acalma, ele fica chorando sem parar, e sabe quando você vê que alguém que você gosta muito está muito triste e você quer fazer ele se sentir bem? E aí você se esforça o máximo que pode para ele ficar bem, tenta e tenta, insiste até você também ficar triste? É um pouco disso. O coração não consegue ficar quietinho, ele também quer gritar e chorar cada vez mais e mais forte, pra lembrar que ele tá ali e que ele precisa que olhem para ele. Ele quer colo, mas nem sempre você consegue dar, porque são muitas coisas para se fazer ao mesmo tempo, e a vida tá cobrando atenção para as outras coisas também, então você tem que olhar pra ele, olhar de verdade e com atenção para aquela carinha sentida, para aquela dor que não cessa e dizer que ele precisa esperar mais um pouquinho, que tem que ter paciência, que tem que ser paciente. Dois anos e sobre isso nada mudou. Sobre isso, ainda fazemos ele esperar, e nada podemos comemorar.

domingo, 16 de dezembro de 2018

Da felicidade

A minha felicidade é tão grande que sinto vontade de morrer!
Ela: Mas morrer por quê?
Ele: Porque até na mais perfeita felicidade já se encontra, em germe, a infelicidade. A felicidade consome-se como uma chama que, cedo ou tarde, terá de se apagar, e este pressentimento anula-a no preciso momento em que é mais intensa.

- Copiei e colei de algum lugar e não lembro mais de onde. 

sábado, 17 de novembro de 2018

Fissura

Tive pesadelo esses dias. Tinha um rosto de menino com os cabelos cheios, cacheados, bem sujos. Ele tinha um sorriso de moleque. Era quase bonito. Ele me esfaqueava sorrindo. Eu via a faca descendo do peito em direção ao seio e eu colocava a mão na fissura, logo depois que ele tirava a faca, e gritava. Peguei o celular, era 4h48 da manhã, e eu não consegui mais dormir. Levantei ler.
Fazia um tempo que essa lembrança não vinha, mas verdadeiramente eu acho que esperava que ela voltasse e novamente se desfizesse, com o tempo. E não é porque eu queira esquecer. Eu acho que não quero esquecer. Eu quero que ela se faça sempre presente para me lembrar de quem eu sou, mas ao mesmo tempo queria que ela fosse mais tranquila, que não criasse tanto desconforto, que não me desse mais esse aperto na garganta, essa vontade de chorar, e um choro que não vem.

segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Desenhar a dor


Sigo pensando em uma imagem que eu disse há alguns dias, sobre “a qualquer momento a vida se desprender”. E, dessa imagem, me veio outra imagem nesse final de semana. Eu estava a fim de desenhar, e isso tem sido bem difícil de acontecer nos últimos tempos de tanto “trabalho sério”, mas resolvi terminar dois projetos de meses que havia começado. Eram promessas para amigas. Em algum momento o pensamento me escapou e quando voltou, me vi pegando todos os desenhos que eu fiz e tenho guardados e mandando por correios para pessoas, me desfazendo deles. Me desprendendo. É uma imagem bem poética, eu sei, talvez eu tenha querido deixar mais bonita que verdadeira, essa história. Porque a original não é tão bonita assim… Não tem despedidas, não tem cores e rabiscos enviados pelos correios, nem dá tempo de colocar a roupa mais confortável, o calçado que nos veste melhor, sabe? A versão original da história acaba com uma mensagem de “tô indo” e um remetente que nunca chega. Na história original tem roupas espalhadas pelo quarto, tem um computador ligado fazendo um upload, tem comida descongelando na pia para o almoço de alguém que não vai voltar. Você entende? Não tem como não ficar com essa imagem de “vida que se desprende”, porque a única coisa legítima da história encerra com a respiração acelerada, taquicardia, hipotensão e parada cardíaca. Bem menos poética. Nem um pouco bonita. E desenhar é a coisa mais bonita e que de melhor eu sei fazer com a dor. É a coisa mais bonita e mais sincera, é quando posso me colocar por inteira, nem que seja pra me colar naquele desenho e ir parar na parede de alguém.

terça-feira, 7 de agosto de 2018

Das artes do fingimento

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

Fernando Pessoa