sábado, 17 de novembro de 2018

Fissura

Tive pesadelo esses dias. Tinha um rosto de menino com os cabelos cheios, cacheados, bem sujos. Ele tinha um sorriso de moleque. Era quase bonito. Ele me esfaqueava sorrindo. Eu via a faca descendo do peito em direção ao seio e eu colocava a mão na fissura, logo depois que ele tirava a faca, e gritava. Peguei o celular, era 4h48 da manhã, e eu não consegui mais dormir. Levantei ler.
Fazia um tempo que essa lembrança não vinha, mas verdadeiramente eu acho que esperava que ela voltasse e novamente se desfizesse, com o tempo. E não é porque eu queira esquecer. Eu acho que não quero esquecer. Eu quero que ela se faça sempre presente para me lembrar de quem eu sou, mas ao mesmo tempo queria que ela fosse mais tranquila, que não criasse tanto desconforto, que não me desse mais esse aperto na garganta, essa vontade de chorar, e um choro que não vem.

segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Desenhar a dor


Sigo pensando em uma imagem que eu disse há alguns dias, sobre “a qualquer momento a vida se desprender”. E, dessa imagem, me veio outra imagem nesse final de semana. Eu estava a fim de desenhar, e isso tem sido bem difícil de acontecer nos últimos tempos de tanto “trabalho sério”, mas resolvi terminar dois projetos de meses que havia começado. Eram promessas para amigas. Em algum momento o pensamento me escapou e quando voltou, me vi pegando todos os desenhos que eu fiz e tenho guardados e mandando por correios para pessoas, me desfazendo deles. Me desprendendo. É uma imagem bem poética, eu sei, talvez eu tenha querido deixar mais bonita que verdadeira, essa história. Porque a original não é tão bonita assim… Não tem despedidas, não tem cores e rabiscos enviados pelos correios, nem dá tempo de colocar a roupa mais confortável, o calçado que nos veste melhor, sabe? A versão original da história acaba com uma mensagem de “tô indo” e um remetente que nunca chega. Na história original tem roupas espalhadas pelo quarto, tem um computador ligado fazendo um upload, tem comida descongelando na pia para o almoço de alguém que não vai voltar. Você entende? Não tem como não ficar com essa imagem de “vida que se desprende”, porque a única coisa legítima da história encerra com a respiração acelerada, taquicardia, hipotensão e parada cardíaca. Bem menos poética. Nem um pouco bonita. E desenhar é a coisa mais bonita e que de melhor eu sei fazer com a dor. É a coisa mais bonita e mais sincera, é quando posso me colocar por inteira, nem que seja pra me colar naquele desenho e ir parar na parede de alguém.

terça-feira, 7 de agosto de 2018

Das artes do fingimento

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

Fernando Pessoa

domingo, 29 de julho de 2018

Da dor do sentente...

O olhar da janela e apenas mais do mesmo. Era o mesmo sol de todos os dias, aquela mesma brisa do mar que entrava pela janela todas as manhãs, quando ela a abria ainda semi nua, porque ninguém a via. Mas fazia um tempo que alguma coisa vinha mudando. Ela andava mais agitada, e sempre havia algo no peito que pulsava num ritmo insaciável, era como se houvesse sempre algo por fazer. Ansiedade, diriam. Mas não se parecia apenas com isso, era como se algo mais pulsasse em sua fronte todas as noites e quando acordava, pela manhã, tinha sempre alguma coisa entalada na garganta, algo que ficou preso em algum sonho incompleto. Fazia tempos que não conseguia se lembrar deles. Depois das inquietações perdia as palavras, se perdia no meio de respostas infantis demais para suas próprias perguntas, bobas e inconsistentes. Incoerentes. Havia um vale de medo, um abismo infinito, e todas essas redundâncias que poderíamos utilizar para criar um efeito totalmente desnecessário. Havia um edifício maior no meio de todos aqueles edifícios, entre aquelas janelas, cujas a brisa insistia em entrar com a primeira faísca de sol da manhã, para bater em seu corpo tatuado e semi nu. Por que ela não sentia, meu deus, por que ela não se sentia? Por que todas as paredes começaram a se fechar e, de repente, nenhuma cor mais fazia sentido?

Era igual caranguejo. Se escondia dentro do casco. Ameaçada? Pra dentro do casco. Com frio? Pra dentro do casco. Perdida, sem ninguém? Pra dentro casco. A vida toda dentro do casco.

domingo, 17 de junho de 2018

Ondas

É como se tivesse essas ondas escuras e eu nadasse ate a superfície e achasse que estou indo bem, que eu vou conseguir. Mas aí vem outra e eu estou me afogando de novo.

- No escuro da floresta.