quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Diários

Mas um dia, de repente, você descobre que não consegue fazer coisas simples. Que isto, que todo mundo diz natural e esperado, não pode ser concretizado em um piscar de olhos, como geralmente é. Descobre que precisa investir em algumas necessidades básicas, como comer, para viver. Mas que relações simples - e uma vida simples, por que não? - não são suficientes para te fazer feliz e conviver bem com todo mundo. É neste dia que surgem as lágrimas, as culpas, as cobranças. É neste momento que as insatisfações superam as conquistas e que as coisas que se preza vão ficando para trás, como a família, os amigos, as relações sociais. E o que se faz de um ser, naturalmente, social que se descobre incapaz de ser social? Neste dia, contar até três, ou até três zilhões, não faz passar.
Admito que é mais fácil entender que as pessoas não podem entender, do que lidar com o fato do que elas podem compreender o que se passa dentro de um coração que pulsa em completo desalinho.
Quando se convive somente com si mesmo é fácil manter os rituais, as dietas, as restrições, controlar a culpa. Mas (con)viver tampouco se trata de um exercício simples. Conviver é contato, é relação, é outro. Um outro que somos incapazes de aceitar e que, por isso, sublimamos. Até os primeiros desmaios, até a primeira internação, até as primeiras "forçações de barra", insistências, perguntas. Perguntas, perguntas e mais perguntas. Sobre comer, sobre comida, sobre insatisfações, sobre quais seriam as outras saídas. Mas elas não podem ser respondidas. Não agora, não sob tais indagações, não tão claramente.
Eu confesso que achava que contando para minha família, que abrindo o jogo de cara limpa e despida de armas eu enfrentaria todos os meus monstros e os derrotaria. Mal sabia eu que as batalhas com nossos demônios são diárias e incansáveis - e esta é a única forma de sobrevivência que não pelo retorno à anorexia.
Ver todo mundo sair junto para jantar e querer ir, mas precisar reconhecer que não é capaz não foi fácil. Incrível que uma prestação de contas que eleva a culpa em detrimento das relações vença de forma tão incisiva: e que minha vontade de continuar enfrentando as batalhas diárias com meus demônios seja maior que meu medo de perder para eles.

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