quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Carta à autora do NSE

Movida pela sua carta de reflexão sobre um e-mail inconveniente é que escrevo. Não para contar toda a minha história, embora eu não fuja dela com as palavras a seguir, nem para te promover ou dizer que também sou contra essas ofensas de quem tem um pensamento contrário e ortodoxo sobre os rumos da sociedade contemporânea, dos alimentos, das pessoas e de seus corpos. Eu escrevo simplesmente porque quero escrever. E porque quero contar que já fiz parte das estatísticas, já fiz parte daquela porcentagem razoável das pessoas vulneráveis à morte em decorrência de sintomas de anorexia e bulimia.

Eu fui aquela criança que quase se matava fazendo exercício aos 10 anos.

Eu fui a adolescente que vomitava o almoço.

Eu sou a adulta que não consegue pensar em uma refeição sem atrelar a aquilo que deve ou não deve comer porque vai engordar, porque vai ter celulite, porque vai ficar feia e ser desprezada.

Eu sou essa adulta que, como tantas outras pessoas adultas, não consegue ligar a tv, abrir uma rede social, ver uma imagem na academia; sem pensar que é inadequada, que todo mundo está olhando para suas pernas gordas e costas largas, que todos sabem que é descontrolada e basta olhar para saber que vomitou o jantar de ontem e que agora está correndo 1 hora na esteira com o título de "CULPADA" estampado na testa.

E eu sou uma adulta que tem medo de ficar velha, ter rugas, a pele flácida e com manchas, porque me ensinaram que devo temer.

Não estou curada da bulimia nem da anorexia. Às vezes acho que jamais deixarei de ter uma visão distorcida sobre mim mesma. Mas eu continuo tentando.

É para dizer todas essas coisas que escrevo, mas é também para dizer que sou uma dessas pessoas que, assim como você, autora do NSE, tenta soar como alerta para crianças, jovens e adultos, correndo desesperada por aí com uma plaquinha escrita: "Por favor, PAREM!". Parem antes que o mundo se torne um espetáculo de corpos fabricados. Parem, antes que o mundo seja um reservatório de beleza e depressão. Parem, antes que as crianças se tornem adultos e nós troquemos a juventude por potes e mais potes de whey protein, creatina, sessões de carboxiterapia. Parem, com essa loucura, com essa ditadura, com essa fabricação em massa de APARÊNCIAS, SUBMISSÃO E TRISTEZA. A vida é mais que isso!

A vida é também correr no parque pelo prazer de sentir o vento no rosto. A vida é também correr na praia para sentir a areia fofinha nos dedos dos pés. A vida é também sair para dançar com os amigos, parar para beber um chopp em um bar qualquer, rir tanto que as bochechas congelam com ruguinhas de felicidade.

A vida, minha cara, é isso... É SER ao invés de ter.
Um corpo firminho, um rosto bonito, coxas torneadas ou braços definidos, uma barriga tanquinho?

Para que tanto esforço para isto se todas as minhas melhores histórias são contadas pelas minhas imperfeições: meus olhos de cor um pouco diferente, herança de minha avó; minha covinha na bochecha, igual à da minha mãe; a cicatriz no joelho, fruto dos meus jogos de handebol na infância e adolescência; minha marca de regata de jogar vôlei na praia. Eu SOU sim, isso tudo, e muito mais!
Eu sou mulher, sou brasileira, 23 anos, blogueira desde os 15, psicóloga por profissão e artista por opção.

Eu sou, e posso ser, qualquer coisa, mas eu NÃO SOU EXPOSIÇÃO!

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