domingo, 16 de dezembro de 2018

Da felicidade

A minha felicidade é tão grande que sinto vontade de morrer!
Ela: Mas morrer por quê?
Ele: Porque até na mais perfeita felicidade já se encontra, em germe, a infelicidade. A felicidade consome-se como uma chama que, cedo ou tarde, terá de se apagar, e este pressentimento anula-a no preciso momento em que é mais intensa.

- Copiei e colei de algum lugar e não lembro mais de onde. 

sábado, 17 de novembro de 2018

Fissura

Tive pesadelo esses dias. Tinha um rosto de menino com os cabelos cheios, cacheados, bem sujos. Ele tinha um sorriso de moleque. Era quase bonito. Ele me esfaqueava sorrindo. Eu via a faca descendo do peito em direção ao seio e eu colocava a mão na fissura, logo depois que ele tirava a faca, e gritava. Peguei o celular, era 4h48 da manhã, e eu não consegui mais dormir. Levantei ler.
Fazia um tempo que essa lembrança não vinha, mas verdadeiramente eu acho que esperava que ela voltasse e novamente se desfizesse, com o tempo. E não é porque eu queira esquecer. Eu acho que não quero esquecer. Eu quero que ela se faça sempre presente para me lembrar de quem eu sou, mas ao mesmo tempo queria que ela fosse mais tranquila, que não criasse tanto desconforto, que não me desse mais esse aperto na garganta, essa vontade de chorar, e um choro que não vem.

segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Desenhar a dor


Sigo pensando em uma imagem que eu disse há alguns dias, sobre “a qualquer momento a vida se desprender”. E, dessa imagem, me veio outra imagem nesse final de semana. Eu estava a fim de desenhar, e isso tem sido bem difícil de acontecer nos últimos tempos de tanto “trabalho sério”, mas resolvi terminar dois projetos de meses que havia começado. Eram promessas para amigas. Em algum momento o pensamento me escapou e quando voltou, me vi pegando todos os desenhos que eu fiz e tenho guardados e mandando por correios para pessoas, me desfazendo deles. Me desprendendo. É uma imagem bem poética, eu sei, talvez eu tenha querido deixar mais bonita que verdadeira, essa história. Porque a original não é tão bonita assim… Não tem despedidas, não tem cores e rabiscos enviados pelos correios, nem dá tempo de colocar a roupa mais confortável, o calçado que nos veste melhor, sabe? A versão original da história acaba com uma mensagem de “tô indo” e um remetente que nunca chega. Na história original tem roupas espalhadas pelo quarto, tem um computador ligado fazendo um upload, tem comida descongelando na pia para o almoço de alguém que não vai voltar. Você entende? Não tem como não ficar com essa imagem de “vida que se desprende”, porque a única coisa legítima da história encerra com a respiração acelerada, taquicardia, hipotensão e parada cardíaca. Bem menos poética. Nem um pouco bonita. E desenhar é a coisa mais bonita e que de melhor eu sei fazer com a dor. É a coisa mais bonita e mais sincera, é quando posso me colocar por inteira, nem que seja pra me colar naquele desenho e ir parar na parede de alguém.

terça-feira, 7 de agosto de 2018

Das artes do fingimento

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

Fernando Pessoa

domingo, 29 de julho de 2018

Da dor do sentente...

O olhar da janela e apenas mais do mesmo. Era o mesmo sol de todos os dias, aquela mesma brisa do mar que entrava pela janela todas as manhãs, quando ela a abria ainda semi nua, porque ninguém a via. Mas fazia um tempo que alguma coisa vinha mudando. Ela andava mais agitada, e sempre havia algo no peito que pulsava num ritmo insaciável, era como se houvesse sempre algo por fazer. Ansiedade, diriam. Mas não se parecia apenas com isso, era como se algo mais pulsasse em sua fronte todas as noites e quando acordava, pela manhã, tinha sempre alguma coisa entalada na garganta, algo que ficou preso em algum sonho incompleto. Fazia tempos que não conseguia se lembrar deles. Depois das inquietações perdia as palavras, se perdia no meio de respostas infantis demais para suas próprias perguntas, bobas e inconsistentes. Incoerentes. Havia um vale de medo, um abismo infinito, e todas essas redundâncias que poderíamos utilizar para criar um efeito totalmente desnecessário. Havia um edifício maior no meio de todos aqueles edifícios, entre aquelas janelas, cujas a brisa insistia em entrar com a primeira faísca de sol da manhã, para bater em seu corpo tatuado e semi nu. Por que ela não sentia, meu deus, por que ela não se sentia? Por que todas as paredes começaram a se fechar e, de repente, nenhuma cor mais fazia sentido?

Era igual caranguejo. Se escondia dentro do casco. Ameaçada? Pra dentro do casco. Com frio? Pra dentro do casco. Perdida, sem ninguém? Pra dentro casco. A vida toda dentro do casco.

domingo, 17 de junho de 2018

Ondas

É como se tivesse essas ondas escuras e eu nadasse ate a superfície e achasse que estou indo bem, que eu vou conseguir. Mas aí vem outra e eu estou me afogando de novo.

- No escuro da floresta.

terça-feira, 29 de maio de 2018

Flores no asfalto



Volta e meia eu lembro que me sentia um pouco assim, meio “pra baixo”. Tinha sido até mesmo bastante constante e frequente nos últimos dois anos. Bateu com a defesa do mestrado, a saída do emprego, e o “nada dar certo” nessa cidade imensa em que ninguém me conhecia. Bateu com aquele monte de provas que quase foi, mas não foi, e o sentimento generalizado – que aliás, permanece – de que eu sou boazinha em tudo, o que não me leva a ser realmente boa em nada. O estado “pra baixo” vinha junto com o medo de não entrar no doutorado, não conseguir outro emprego “de verdade” – porque a carreira artística exigia algo que eu não tinha encontrado ainda e que sequer chegou com o suceder do tempo, dos dias, e dos acontecimentos. A memória virou essa coisa estranha, que tá ali, mas não tá; que fica, mas não fica; que confunde, que mente. Penso que ela vem também porque nem tudo a gente é capaz de dar nome, mas então tem aquela imagem, aquele cheiro, aqueles olhos, ou a sensação. A lembrança sem-palavra que faz sentir o acontecimento e um esforço danado em dar sentido àquilo que mesmo agora, um ano e três meses depois, e as datas fechadas são sempre as mais difíceis, continua não fazendo sentido. Às vezes eu só fecho os olhos e volto a ser aquela menina. Os 25 anos parecem tão distantes, mas são apenas isso... Um ano e três meses. Alguma coisa da memória também ficou naquele dizer que ouvi tanto: “ah, você é a menina... (do milagre, do assalto, da facada)”. Todos nomes em que eu não conseguia me reconhecer. E talvez por isso das flores. Porque embora eu tenha sido “a menina de tanta coisa”, a única menina que eu queria ser era “a da tatuagem de flores” ou simplesmente “das flores”. Eu queria ser só – apenas isso – a menina que na visceralidade das flores duras que rompem e se recusam a não crescer debaixo de um asfalto qualquer, brota. Faz um furo bem ali, naquele lugar em que ninguém acreditava que poderia haver, ainda, um sopro de vida. Queria que lembrassem mais da minha teimosia que da coragem ou da força, porque não posso me responsabilizar por essas últimas – eu não sei se tinha coragem, ou se simplesmente quando acontece você tem que fazer. Mas teimosia sim. Tinha teimosia na recusa em perder para a dor, para o medo de ter como última lembrança daqui para qualquer lugar que haja, em outro tempo e espaço, a calçada quente de fevereiro ou as mãos sujas de sangue. Fui tão teimosa que ainda hoje me recuso a ter como última memória meus braços sujos nos sonhos que invadem meu sono leve e preocupado dos últimos meses. Esses mesmos em que meu pai não faz nada e minha mãe vai embora. Escolhi as flores – como se elas pudessem me trazer os suspiros bobos de volta, os galhos altivos e o riso fácil; e as folhas leves, verdes e umedecidas pela relva, como se fossem lágrimas, todas as manhãs, muito mais bonitas que as minhas; uma lembrança que não tive, que só veio mais tarde, quando pude entender – se é que isso aconteceu por completo, de fato, ou sequer vai acontecer algum dia: a visceralidade desse rombo das flores no asfalto. Se hoje tem nome? Acho que tem sim.
- “O que aconteceu?”
- “Flores”.

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“Fique firme enquanto dói
Faça flores com a dor
(...)Então floresça de um jeito
Perigoso
Escandaloso
Floresça suave
Do jeito que você preferir”
- pra quem me lê, Tupi Kaur

O risco foi um estrondo no asfalto, no concreto do corpo. A falha, o corte, a marca do real. O inegável, o jamais não-visto. O espaço da infiltração. Infiltra tanto, que mais cedo ou mais tarde o canal infiltrado encontra terra talvez um pouco menos árida. Torna-se terreno com menos concreto e asfalto. E desabrocha.

Floresci.

domingo, 27 de maio de 2018

Nós e laços

A gente tem casco frágil demais por isso inventa tantas proteções. A roupa, o carro, a casa. Se assumíssemos nossa natureza selvagem, primitiva, andaríamos nus no mato. Gerações até engrossar o casco, mas engrossa. O pé acostuma aos galhos, a pele ao sol, o cabelo a ser lavado só com água de rio. Mas atualmente somos finos feito papel. E quando gravemente feridos somos costurados a linha mesmo, ponto por ponto.

Mas somos mais complexos que papel. Artesanato mais intrincado do que o de costurar a manhã. O galo eventualmente, ao tentar tecer uma pessoa, embolaria o canto e perderia os fios que se reencontrariam depois do nó como se nada tivesse acontecido. É por isso. A gente passa a vida toda descobrindo as falhas, consertando ou aprendendo a amar os pontos defeituosos.

Tem gente toalhinha de quermesse, aparentemente uma perfeição branca e simétrica, mas nesses é triste e invisível a goma que os faz nunca serem diferentes. Pano engomado não relaxa. Tem gente que é a bagunça de um cesto de lã. É difícil. Quem nunca pensou em desistir na metade quando a cada movimento de soltura do nó ele ou outros pareciam que mais ainda se apertavam. É desesperador. Mas esse é o desafio, tem beleza e verdade em casa movimento livre da costura caótica.

As pessoas de fios embolados que eu conheço são peças únicas e mutáveis. Amontoados de fios atemporais, que quando entendem que em termos de tecelagem só se pode seguir em frente já se fundiram ao pano único que monta o universo.

- Camila Gobbi, in Escombros e outros pedaços de coisas no chão, 2015.

terça-feira, 17 de abril de 2018

Sete bilhões

- Existem sete bilhões de pessoas no mundo e você interagiu com apenas vinte mil delas, no máximo. E essas vinte mil eram bastante semelhantes. As experiências que você teve com outras pessoas foram em grande parte determinadas pelas escolhas dos seus pais. O bairro em que escolheram comprar uma casa, a escola em que decidiram matricular você... E talvez essas escolhas não tenham sido as melhores. Talvez você não se encaixe no cenário em que está no momento, mas mesmo assim conseguiu sobreviver ao colégio e teve algumas experiências significativas ao longo dos anos. Existem mais sete bilhões de pessoas no mundo. Sete bilhões. Você consegue ser pessimista a ponto de acreditar que não se daria bem com nenhuma delas?

- Matthew Quick, in Todas as coisas belas, p. 258.

Não há respostas boas

(...) "Não existem respostas boas para acontecimentos trágicos como esse, e como não existem, você vai enlouquecer tentando encontrar".

- Matthew Quick, in Todas as coisas belas, p. 204.

Antígona

Ela também desenvolve admiração pela personagem [Antígona], que enterrou o corpo do irmão mesmo quando a lei proibia.
A leitura ajuda Nanette a entender um pouco por que a maioria das pessoas é conformista - faz o que lhe mandam fazer. Às vezes se paga caro pela individualidade, ainda mais quando se é mulher.
Alex pagou caro.
Mas também pagamos caro quando obrigamos alguém a fazer algo que não quer. (...) Alex certamente seria do time Antígona, jamais os Creontes do mundo.

- Matthew Quick, in Todas as coisas belas, p. 217.

Prisão e liberdade

(...) Ela começa a entender por que as pessoas querem prender quem amam e por que o amor é tão frequentemente relacionado a dor, como se alegria e sofrimento fossem dois lados da mesma moeda.

- Matthew Quick, in Todas as coisas belas, p. 189.

O Amor é uma mulher

- "As pessoas entram em nossa vida por uma razão, uma estação ou uma vida inteira".
- Sim, mas não é de autoria dele. É um ditado popular. E muitos ditados viram clichês porque geralmente dizem a verdade. Repetimos o que consideramos real... autêntico.
(...)
- Então o amor não venceu no final.
- O amor continua por aí sendo fabuloso. Fabulosa: se o amor fosse uma pessoa, seria uma mulher.

- Matthew Quick, in Todas as coisas belas, cp. 22.

Forte - até rachar

- Me sinto girando de costas no meu casco há muitos anos. Completamente tonta. A vida parece um borrão, e o carrossel gira cada vez mais depressa. Às vezes mal consigo me segurar no cavalo. E quero morder todas as merdas dessas mãos que ficam tentando me alcançar, porque não sei mais quais são boas e quais são ruins. Como se não existisse mais diferença entre bom e mau. Será que dá para entender?

- Matthew Quick, in Todas as coisas belas, p. 151.

domingo, 8 de abril de 2018

Incongruência

Que merda de feminista você é? Que agora não abre a boca.

sábado, 17 de março de 2018

Diário de mochileiro, Teotihuacán, MX, 2018



Esta coleccion de piedras quem me deu foi Octavio, artesão de Teotihuacan, que sobrevive da lapidação de pedras preciosas. Toda a família se mantém assim. Foi um presente “fora do programa” te-lo encontrado, mas ao mesmo tempo nem tão supresa assim. Se a cultura mexicana já estava na minha cabeça desde antes, não lembro, mas desde 2010, quando passei um semestre inteirinho estudando a vida e obra de Frida Kahlo, o México entrou aqui e não saiu mais. Passei a estudar mais e mais e mais. Compreendi melhor a ideia do Día de Los Muertos - e ainda descobri um monte de novidade hoje!; revisitei os povos maya e aztecas depois da menor importância dada pela imaturidade do ensino fundamental, e ouvi falar que não existiam pirâmides apenas no Egito, porque existe Teotihuacan! Hoje sei, não à toa, e por tantos motivos mais, me aventurei em uma tese sobre um cara que dedicou boa parte de sua “loucura” à cultura tahuman e os rituais do peyote. E, por algum motivo, me convenci de que eu precisava ir até aquele lugar, porque Artaud esteve por lá, sim, mas também porque ele tinha algo a me dizer, algo de uma “conexão interna” que eu ia encontrar com alguém extremamente especial.

Mas... Não imaginava que esse alguém era eu mesma, “bien sóla”, como tanto ouvi dizerem por aqui. Peguei o transporte público para as pirâmides. Chegando lá, contratei um guia que me levou a duas casas de artesãos, uma de tecelagem e outra de lapidação de pedras. Tanto Caio quanto Octavio me recepcionaram e falaram sobre sua cultura, cada um na sua especialidade, com maestria e amabilidade. E Octavio, além da coleção de pedras preciosas, me ofereceu a mais rica experiência dentre tantas ricas experiências deste lugar. Faalou-me sobre a morte, a vida, a transcendência representada na figura das katrinas. Falamos sobre os povos maias e astecas, sobre o Brasil, sobre as outras regiões do México e sobre a cultura oriental. Octavio nunca saiu dos arredores da capital e embora ainda bastante jovem, me fala da cultura milenar do seu povo como se fôssemos velhos conhecidos. A visita que, segundo o guia, durava 15 minutos, teve mais de uma hora. Provei a bebida fermentada da babosa gigante (péssima para guardar esses nomes), mezcal, licor de tuna e alguns outros; me pediu licença para uma massagem relaxante com pedras, estralou meu corpo todo com a força das suas mãos delicadas, e ao final me falou sobre o coração, a circulação. Mostrei-lhe minha cicatriz recente, de exato um ano por esses dias, no meio do peito. Mais uma vez pediu-me licença e a tocou. Em seguida ergueu a camisa para me mostrar a dele, na coluna. Em seguida falou sobre a vida, o yin e o yang, que na cultura maya tem outro nome (que também não lembro, mas tudo bem, porque como ele muito bem disse, ambos sabíamos do que estávamos falando). Ao final, levei além da coleção de pedras, um colar do sol e uma pedra da lua lapidadas. Fez-me uma benção à sua maneira e disse que eu poderia seguir, porque nada me tocaria se não fosse para o bem e proteção.

Pode ter sido “só o seu trabalho”, mas o agradeço, imensamente, ainda assim por isso. Tive uma mesma conversa com uma amiga, sobre outra forma de espiritualidade, algumas semanas atrás, um dia antes de mais uma vez fazer as malas e seguir a vida. É porque acho que sou pássaro fora da gaiola. Ao me despedir de Octavio, achei que poderia voltar naquele instante ao Brasil e seguir a vida. Os planos de oito anos atrás haviam sido cumpridos.

Faz um tempo. Ainda presente.

Eu não acho que poderia esperar de sempre o mesmo sentimento e que ele tivesse muito a ver com força, coragem, determinação. No fundo eu sei e consigo reconhecer que há os momentos muito bons, nos quais a gente se sente super-herói invencível, e aqueles que estamos um tédio e muito mal-resolvidos. Hoje eu tava assim. Muito bem e depois muito mal resolvida. Despertei cheia das inseguranças: eu não vou conseguir seguir a vida em Niterói. Eu não vou conseguir viver a vida, como todo mundo fala. Pode ser só o hábito e o comodismo falando alto. Mas eles vêm decidindo por mim.