domingo, 30 de dezembro de 2012

Sobre a solidão

As histórias não precisavam ser verdadeiras, apenas possíveis. Talvez por isso ela fosse tão sozinha. Talvez suas histórias bastassem. Sam admirara a facilidade com que ela se transferira pra o acampamento, usando suas poucas coisas, como sempre fazia, para transformar uma tenda em casa. (...) Era incrivelmente adaptável, capaz de aceitar um novo encargo num piscar de olhos e frequentemente falava de sua vida errante com satisfação. Houve um tempo em que Sam invejou sua instabilidade porque ele mesmo estava preso às prestações de uma casa em Sacramento, com os filhos adultos e os netos pequenos morando na vizinhança, e a ex-mulher, com quem mantinha boas relações, ainda no bairro, e a mãe inválida morando num asilo próximo. (...) Ele deixara de invejar  Érica, porém, num Natal quando estava numa escavação no deserto de Mojave e Sam voltara a casa para passar o feriado com a família, enquanto Érica ficara para catalogar ossos. (...) Sam achou que isso era a coisa mais solitária que já ouvira.

- Bárbara Wood, in Solo Sagrado, p. 77.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Como pedras no coração

"São nuvens, uma inquietação por dentro", como diria Gabriel Garcia Lorca. Umas inquietações que vêm e voltam, que apertam as palavras dentro do peito, como se houvessem pedrinhas britas dentro do coração. Por tantos anos já havia guardado coisas, já havia chorado coisas, e falado coisas. Embora as faladas fossem infinitamentes menores que todas as demais. Eram nuvens, um nó na garganta, um aperto no peito, um medo incontrolável de contar, de mentir, de sufocar.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Sobre ser forte

- Nem todos podem ser ricos - prosseguiu Peter. - Nem todos podem ser fortes ou inteligentes. Nem todos podem ser bonitos. Mas todos podemos ser corajosos! Se dissermos a nós mesmos que somos capazes; se dissermos ao nosso coração: "Pare de pular!"; se nos comportarmos como herois... todos podemos ser corajosos! Todos podemos olhar o Perigo de frente e ficar contentes por encontrá-lo, e sacar nossas espadas e dizer: "Prepare-se, Perigo! Você não me assusta!". A coragem está à disposição de quem quiser, não se necessita de dinheiro para comprá-la. Não é preciso ir à escola para aprender a ter coragem!

- Geraldine McCaughrean, in Peter Pan Escarlate, p. 195.

Sobre as lembranças


 - As fadas viajam – observou ele. – Pegam as coisas no ar. Lembranças. Resfriados. Ideias. Acho provável que esta Guerra delas venha de alguma ideia que trouxeram do estrangeiro... como os ratos negros foram os mensageiros da Peste! – Depois, um pensamento fugaz o fez sorrir e ele murmurou, a voz em tons sedosos. – Ou talvez as fadas tenham deixado abertas à noite as janelas da Terra do Nunca. E a Guerra entrou por elas.

- Geraldine McCaughrean, in Peter Pan Escarlate, p. 183. 

Sobre a Beleza


E quando, bem acima de suas cabeças, formou-se uma nuvem palpitante e cintilante de cores, eles deixaram escapar exclamações deslumbradas com a Beleza perfeita da cena. Não que a Beleza ocupe um lugar de destaque na lista de desejos de uma criança. (...) Na maior parte do tempo , a Beleza não é mencionada nem sequer lembrada momentaneamente pelas crianças. Mas aquela visão em especial fascinou os Exploradores com um raro encantamento, e eles ficaram contemplando embevecidos o caleidoscópio de lilás, azul, malva e roxo formado pelo arco-íris. O que foi mesmo que aquele escritor disse? Às vezes, a Beleza transborda, e então os espíritos viajam.

- Geraldine McCaughrean, in Peter Pan Escarlate, p. 175.

Coisas de criança em véspera de Natal

Meu irmão de oito anos no meio da celebração de Natal:
- Tali, mas quem é o vô de Jesus?
- Ai, meu Deus, Taisson Fernando!
uahsuahsuasha xDD

Como que eu nunca pensei numa coisa dessas?! ¬¬'

Novas flores

Antes que a vida passasse lentamente, resolvera ser. Resolvera deixar os cactos para trás e plantar margaridas e orquídeas, construir um colorido e rico jardim de plantas novas, plantar enfim um novo jardim. Isto a fez sorrir mais, permitiu-na falar mais sobre a vida, por meio das plantas, e conhecer um mundinho diferente daquele a que estava habituada por conhecer cotidianamente. Assim, conhecera novos ares porque se permitira encantar-se com as texturas de outra folhas, com outros tons de verde, e enfim foi mais feliz.

domingo, 23 de dezembro de 2012

Ser, de passagem

Às vezes, quando envelhecemos, e não estou falando do senhor, estou falando em geral, porque cada um de nós envelhece de modo diferente, as coisas em que pensamos e que desejamos começam a nos parecer mais reais e, então, acreditamos nelas e, antes que nos demos conta, elas começam a fazer parte da nossa história, e se alguém discorda de nós, dizendo que essas coisas não são verdade... bem, nós nos sentimos ofendidos.

- Sara Gruen, in Água para Elefantes.

sábado, 22 de dezembro de 2012

Sobre perdas e ganhos

A vida não está aí apenas para ser suportada ou vivida, mas elaborada. Eventualmente programada. Conscientemente executada. Não é preciso realizar nada de espetacular. Mas que o mínimo seja o máximo que a gente conseguiu fazer consigo mesmo.

- Lya Luft, in Perdas & Ganhos.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Uma, familiarmente, estranha na esquina

Encontrei-a na esquina. Sentada e com as pernas unidas e encolhidas. As mãos enrrugadas e flácidas, as pálpebras caídas sobre olhos claros e brilhantes. Ela estava vestida de forma muito simples, mas coloridamente. E sorria. Sorria para mim, como se a vida nunca lhe tivesse sido dura. Sorria, como se nunca tivesse passado por tempestades, como se não tivesse perdido amigos e uma família. Sorria-me, porque naqueles olhos, coisa da sorte ou do destino, ainda havia um brilho de vida.

Na biblioteca

Hoje eu revivi minha infância duas vezes. A primeira vez foi quando levava meu irmão de oito anos à biblioteca. Quando eu era criança, adolescente, lembro que adorava visitar a biblioteca - era minha maior verdadeira diversão. Pegar um livrinho ou um gibi na estante tão linda com tantas centenas de livros esperando que os leia, um a um. O mais difícil de tudo era saber qual deles seria o primeiro. E depois de vencido este grande desafio, eu sentava na mesinha e lia, lia, lia. Passava tardes inteiras sentadinha, lendo. E depois, o levava para casa, com orgulho, tomava um banho e sentava na cama, lendo, lendo, lendo, outra vez. Apesar de todos meus maus hábitos, este é um que julgo muito bom e que quero manter comigo e repassar aos meus filhos, assim como minha mãe cultivou em mim, desde que eu era pequenininha, e ela nem gosta muito de ler.
O segundo momento em que revivi minha infância foi saindo da biblioteca. Choveu. Choveu e eu e meu irmão, protegendo os livros embaixo das camisetas, corremos na chuva, nos escondemos embaixo de árvores quando ficou muito forte e chegamos em casa como pintinhos molhados.
DELÍCIA! :)

Hoje, eu acordei...

Toneladas de anos acostumada a fugir do espelho e hoje tive coragem de me enfrentar.
Hoje estou bonita!
Não percebo porque não encontro a felicidade diante deste espelho, que a maior parte das vezes apenas me critica.
Sentir-me bonita, hoje, não me faz feliz. Não me traz, o gosto de viver, o gosto de amar, o prazer de ser amada. Ser esbelta, de cintura fina, não me traz os sorrisos, nem me limpam as lágrimas à noite.
Tudo isto porque o meu vazio não consegue ser preenchido com comida. Há quem me olhe e pense que esta beleza é natural ou fruto de um esforço, de resistir à tentação, de uma luta com o ginásio.
Não…
Isto é medo, é uma mente obscura que toma o controle da minha vontade. Isto não sou eu! Eu era feliz quando comia sem pensar… Quando comia sem remorsos! Esta pessoa não sou eu!
Hoje, comer é um esforço, cada pedaço que eu engulo são facas que cortam o estômago.
A partir desse momento, reina o desejo absurdo de não ter colocado comida na boca.

Hoje chorei. Chorei por cada vez que comi.
E em todas elas vomitei.
Não sei porque me tornei assim. Sei que assim sou à 7 anos. Há 7 anos que o mundo mudou sem me avisar.
Talvez o mundo tenha mudado quando percebi que os meus familiares, não eram perfeitos como imaginei… eles eram apenas humanos.
Humanos com todos os defeitos … defeitos esses, que achei não ser possível possuírem.
Talvez fosse aquele curso que me obrigava a pisar um palco, a sentir o prazer de ser aplaudida. Talvez por eles eu me esforçava para me sentir bonita.
Esqueci-me que para ser bonita, tenho que ser feliz.

Para ser feliz tenho, tão só de tentar…
Tão só de procurar quem me quer.
Tão só estar com quem amo.
Tão só pedir a quem confio.
Tão só deixar que alguém me ajude.
Tão só… viver a minha dor, com quem a compreenda.

Tenho tão só, de aprender a viver com o que sou.
Melhor ainda, aprender a viver com aquela pessoa que serei, assim que tudo isto for passado.
Ser feliz pode ser… tão só… deixar que nos façam feliz.


- Por C. P.
- Achei tão lindo, que me tocou.

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Para quando se descobre que crescer dói.

Chega uma época da vida em que a gente vai se sentindo meio sem lugar. É a ausência de um espaço físico e material, mas muito mais do que não ter um guarda-roupas para colocar as roupas na casa dos pais em época de férias, é também um espaço que se sente não poder, não dever, ficar por mais do que alguns dias. Deve ser neste momento que a gente começa a pensar que precisa começar a pensar em construir uma vida descolada da família de criação para construir uma outra família. Nem que seja em uma kitnet alugada, com um gato e um aquário de peixes. Crescer tem um pouco disto também... Assumir a responsabilidade de deixar as roupas velhas e gastas pelo tempo para trás e encontrar o que fazer com elas. Ter um espaço para poder chamar de teu e trancar a porta quando não quiser ver ninguém. Crescer tem um pouco de sentir mais vergonha quando perguntam se você SÓ estuda, se não está namorando, se quem te banca são os teus pais. É também ficar encabulada quando o teacher de inglês diz que "somebody is lost, but coming, in the life". E responder, "no, no, no, teacher. Talking about it get me down. Change conversation, please". E ficar realmente afetada por isto.
Crescer é também sentir o estômago embrulhar quando a vida exige que se tome uma postura que não se quer assumir, engolir as lágrimas quando está perdida e acaba a bateria do celular. É não desesperar diante do desespero da existência, controlar a ansiedade, o medo, a frustração. Ou, melhor do que controlar, aprender a conviver com eles.
Certamente não serei ingênua em dizer que só porque me dei conta disto tudo, sou capaz de pôr em prática nos próximos meses e ser uma pessoa muito melhor até o final deste ano que está somente começando, mas me arrisco em dizer que, me dar conta disto, já é meio caminho andado.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Hard days

Don't lose who you are in the blur of the stars
Seeing is deceiving, dreaming is believing
It's okay not to be okay
Sometimes it's hard to follow your heart
But tears don't mean you're losing
everybody's bruising
There's nothing wrong with who you are

- Jessie J, in Who you are.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Talking with the stars, calling good moments to the moon. Waiting for the beautiful life, looking for the new smiles, for the stars, stars, stars.... Stars on the sky!
I love you!

Em tempos de copos vazios, amizades assimétricas.

Final de ano sempre é época para comemorar, para levantar as taças de champagne e brindar todas as felicidades do ano. Não discordo que seja, mas prefiro brindar as discussões, os desentendimentos, as dificuldades, as tristezas, as lágrimas e os sentimentos de incapacidade. Porque alegrias é fácil comemorar, é só aproveitar aquilo tudo que trazem de bom, mas me arrisco a dizer que comemorar dificuldades é muito melhor. É poder comemorar que, apesar de tudo, sobrevivemos, fortalecemos laços, descobrimos alternativas enquanto tantas certezas caiam por terra. Superar uma dificuldade é como chupar o pólen de flores coloridas e docinhas, algo que fiz tanto com meus primos em minha infância na fazenda... Depois de tanta luta com os beija-flores, para que deixassem algumas flores docinhas para nós, o gosto da florzinha é muito melhor. Tão melhor do que as balas de morango no baleiro na mesa da sala, que estão lá, aguardando para serem chupadas. É o risco iminente ao desafio, ao saborzinho de conquista quando tudo diz que não. Que não é possível, que não é capaz, que deve-se desistir. Pois, eu é que digo que não. Que não desisto e que sou capaz. Capaz de sorrir depois de uma noite escura de relâmpagos e tempestades, que sou capaz de amar mesmo após uma ou duas decepções, que guardo sensibilidade neste coração ainda que a vida, às vezes, seja tão dura quanto se pensa ser forte para suportar. Então, este ano em específico, é aquele que ergo com mais alegria minhas taças de dificuldades, porque foram superadas, que grito mais forte a contagem para a virada, porque quero muito que chegue o novo ano, com as novas dificuldades e alegrias, com os novos sorrisos e, acima de tudo, com os velhos-sempre-bons amigos!
Obrigada por mais um ano, querid@s! E que nestes tempos de copos vazios, nossas amizades permaneçam assimétricas e cheinhas de novidades! Que possamos contar uns com os outros em 2013, amém! :)

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Que vai passar...

Mas é isso mesmo... Pára de doer e aí de repente vem uma dor tão grande que não dá pra saber muito bem de onde vem, nem por que veio naquele momento. Embora eu saiba que é algo que vai passar, que é um mal estar que nos pega desprevinido e que passa como uma tormenta em meio ao mar ou uma chuva de verão.
Mas que vai passar...

Avante!

Olha, eu sei que o barco está furado, e eu sei que você também sabe. Mas queria te pedir para não parar de remar, não. Porque te ver remando me faz não querer parar também.

- Caio Fernando Abreu

(des)Espera

Contando as verdades pelo caminho, escondendo os jogos em pedrinhas britas à beira do asfalto. Já mentira tantas vezes, para tanta gente, que desta vez não queria. Gostaria que, ao menos, aquele relacionamento fosse sincero e profícuo. Desejara por muitas vezes tocar a alma de alguém com aquilo que era em essência, porém jamais se achara digna de sequer cruzar os olhos de outrem com um brilho de esperança.
E, sem esperança, (des)espera.

sábado, 8 de dezembro de 2012

Feito cata-vento

Depois de dois anos sem nenhuma notícia, ele volta. E ele diz que ainda a ama. E ela sorri. Sorriu doce, como esperava que fosse quando ele lhe dissesse isto novamente. "Sempre vou amar você". E, para ela, isto basta.

- Para L. C. B.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

A partida

É como colecionar fragmentos de textos tristes, textos que mostram o que realmente a vida é: esse ciclo (in)terminável, um ir e vir, um ser e não ser, um ser a toda hora e não poder se reconhecer sendo outra coisa que não seja você. Lembro-me que quando eu era criança acreditava que as pessoas que partiam iam para o céu, viravam estrelinhas de luz, a mesma coisa que meu irmão de 8 anos disse quando perguntei se ele sabia o que estava acontecendo. Acho que é isto: perder alguém é olhar para um céu de estrelas procurando a mais brilhante de todas e atribuindo a ela toda a luz de uma vida, de uma vida toda linda, vibrante e quente. Então hoje mais uma vez eu me pego abrindo a janela do quarto em uma noite escura, para te procurar pelo céu. Mas eu ainda não posso te ver, porque você parece muito longe, tão longe que tua luz ainda não é perceptível a meus olhos. E não importa o que digam, a gente sempre vai achar que aqueles que amamos se foram cedo demais, que tinham coisas a fazer por aqui ainda, pessoas para amar, consolar. Mas você se foi e isso dói tanto. Mesmo eu sabendo das dificuldades que você passava por aqui, da dor, do incômodo que era te perguntarem se sabia quem era, sabendo que você não sabia, e não tinha como saber porque a vida tinha lhe colocado em uma situação complicada de resolver. Mesmo imaginando o que é acordar todos os dias sem saber dizer onde está, o que sente, se precisa de água, alimento ou simplesmente conversar.
E eu, que sei de tudo isso, ainda insisto, me perguntando por que você se foi, questionando por que não esperou pela minha formatura, pelo meu casamento, para conhecer teus bisnetos e no meu aniversário perguntar, mais uma vez, quantos anos eu fazia mesmo?!
Ainda que eu aceite, e aceito, acredite que sim, eu não posso deixar de chorar por isto e de implorar para que pelo amor de Deus, pare de doer tanto assim, porque eu pareço não conseguir suportar.
Então eu espero que me consolem, que me digam que vai ficar tudo bem, que vai passar. E eu sei que vai, mas ainda assim, eu preciso deste tempo, preciso desse silêncio e destas perguntas que não retornam com respostas, para entender que é real, que você se foi, que você, daquele jeitinho que eu via, não existe mais. Mas que fica a lembrança, ficam as fotografias no álbum de família, no porta retratos. E que você fica, em minha memória e em meu coração.
E eu sei que fico escrevendo tudo isto em um blog na esperança de um ouvinte, quando as palavras faladas não dão conta de tantos sentimentos jogados na correnteza da vida.

Saudade

“A carência. A saudade. A mágoa. Um quase desespero, uma espécie de avião em queda, mas que a gente sabe que um dia vai se estabilizar.”
 
- Martha Medeiros.

Porque o coração ainda vai doer muito por alguns dias... Porque a voz ainda vai embargar bastante todas as vezes em que eu pensar nas férias, no cheirinho do teu quarto, da tua roupa. E as lágrimas não poderão ser contidas. Vai doer toda vez que eu pensar em você de um jeito e ver que você, daquele jeito, não existe mais.
Fique com Deus, minha querida. Flyed, flyed to the sky...
 

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

...

E eu, que não vou saber de nada, do que você vai sentir, sozinha, em seu quarto de dormir.
- Marcelo Jeneci, in Quarto de dormir.

Processo

Hoje, retomo Lya Luft, que me ensinou uma valiosa lição com seus poemas. "Não me digam que passa, não me digam que vai passar. Nem digam que tenho família e amigos e um trabalho a fazer. Não me consolem, não digam nada. Da minha dor eu sei." Então não esperem que eu não sofra, não esperem que tudo fique bem, que eu seja controlada, sensata e me vire bem. Deixem-me sofrer agora, que preciso derramar algumas lágrimas para não afogar o coração, este coração dolorido por uma dor que invade de tempos em tempos, oscilando entre a calmaria de compreender uma perda e a raiva de precisar conviver com ela.

Despedida


Por mim, e por vós, e por mais aquilo
que está onde as outras coisas nunca estão
deixo o mar bravo e o céu tranqüilo:
quero solidão.

Meu caminho é sem marcos nem paisagens.
E como o conheces ? - me perguntarão. -
Por não Ter palavras, por não ter imagem.
Nenhum inimigo e nenhum irmão.

Que procuras ?
Tudo.
Que desejas ?
Nada.
Viajo sozinha com o meu coração.
Não ando perdida, mas desencontrada.
Levo o meu rumo na minha mão.

A memória voou da minha fronte.
Voou meu amor, minha imaginação ...
Talvez eu morra antes do horizonte.
Memória, amor e o resto onde estarão?

Deixo aqui meu corpo, entre o sol e a terra.
(Beijo-te, corpo meu, todo desilusão !
Estandarte triste de uma estranha guerra ... )
Quero solidão.

- Cecília Meireles

- Para A. S. B., você, que com teu brilho iluminou minha vida e meu caminho, que foi uma das grandes estrelas do meu céu. Você, que tantas lições nos ensinou, mas quem eu sempre vou achar que se foi cedo demais. Obrigada por me permitir uma despedida. Obrigada pelos olhares, pelo carinho, pela emoção, pelo cuidado. Obrigada, minha avó, obrigada por ficares em meu coração.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Como lírios na correnteza

Foi quando me disseram que "te ver crescer é angustiante. Mas é muito bonito". E foi assim.

Era uma tarde quente de primavera, uma daquelas tardes em que tudo que era possível de dar errado, já havia dado. Uma tarde em que muito já havia sido dito, e que tantas outras coisas já haviam sido caladas. Sentei a seu lado, no sofá. Eu puxava assuntos, conversas corriqueiras, do dia a dia, perguntas simples que apenas exigiam atenção. "Quente hoje, não é, vó?". E ela respondia a todas as minhas perguntas, da mesma forma calma com que me respondera a todas elas nos 20 anos anteriores. Embora não fossem as respostas que eu esperava, coerentes, sensatas, como outrora me foram seus conselhos. Então eu parei, porque não havia um porquê naquilo tudo. E ela me olhou, olhou em meus olhos de forma firme, como suas mãos não se apresentavam há tempos, um olhar intenso e muito forte. Naquele momento tive clareza de que o tom de verde de meus olhos é igualzinho aos seus. E aquela mulher que estava à minha frente, colocou seu dedo em minha bochecha, com uma leve pressão e desceu até meu queixo, por poucos segundos que me pareceram muitos minutos. E desviou o olhar. Eu tinha certeza: aquela senhorinha de 83 anos, dona de cabelos brancos, pele muito clara e olhos cristalinos, poderia não saber meu nome, nem quem eu era, mas ela me amava. Amava como sempre amou e como eu também, sabia, sempre a amei. Mas agora, ela está partindo... Flying, flying, flying, to the sky. Essa, foi a nossa despedida, a última fotografia que, com lágrimas nos olhos, coloco no álbum de família de nossa existência introvertida.

O que tenho a dizer sobre o fim...

Eu deixei as coisas passarem e por trás de teu rosto deixei um feixe de luz. Eu deixei a porta aberta, para que entrasses em minha vida, em minha alma, e me tocasse como brisa em dia quente em volta do mar. Eu abri tua mão e fechei teus dedos, envoltos em uma lâmina gelada para que dela se utilizastes a teu favor. Eu chorei e gritei e implorei para que fizestes o que eu pedia, mas ainda assim somente fechastes teus olhos e me implorastes para, por favor, ficar calada e parar de dizer tantas besteiras. E então eu disse que ainda me importava contigo, que por algum motivo, que a gente só chega a saber lá no fim quando acaba tudo, eu ainda me importava. E você me agradeceu. E eu te disse que nossa conversa já havia terminado.

domingo, 2 de dezembro de 2012

O que escorre feito sangue


Para quem a vida é como estas lágrimas, que correm quentes por uma face clara e sem graça, que saem de olhos que se contrastam com o fogo de um coração partido que deixou de tentar. Como se jamais tivesse desejado um fio de vida escorrendo pela ponta dos dedos da mão.

Alguém assim...

Foi como acordar no meio da madrugada e ver uma chuva de estrelas cadentes pela janela. Foi como sentir o arrepio na pele depois de um banho gelado de água salgada. De mar, que invade. E aMAR. Passar por mais um ano, mais uma crise de choro, mais umas noites sem dormir, mais umas confidências por telefone. Saber que se tem com quem contar é quase como comer mel direto do favo, escorrendo pelos dedos das mãos. É quase como a emoção em atravessar uma ponte velha de madeira. Ter alguém com quem contar é quase como acordar sorrindo e apostar todas as suas fichas na leveza de ser criança quando o dever nos chama a sermos adultos, sérios e chatos. Quase como contar piadas para si mesma e rir até o estômago doer, como sair para almoçar sozinha de shorts e havaianas e sorrir. Contar com alguém é ser simples em cada gesto, cordial em cada toque, sensível em cada palavra. Contar com alguém é poder ser feliz. E, assim, esperar que o restante só sejam projeções de dentro si para um mundo que todo dia prova conter o melhor do mundo. Mas poder contar com alguém assim, é muito melhor.

sábado, 1 de dezembro de 2012

Noite passada.

Te vi indo embora. Tua silhueta larga e magra me abandonando na melhor hora. Pois disse que nada de mim sairia a não ser umas noites bem malhadas na fina corrente do grito. Que levaria tuas palavras e facas amaldiçoadas pela noite adentro e deixaria do lado de fora. Do lado de fora, sim, da casa, da porta, do carro, da hora. Fora do tempo que queima a memória que leva uma mulher a chegar perto de um homem e queimar, queimar até fim. Tocar nesse teu corpo quente, ardente como flores de fênix esperando a brasa cessar. Virar poeira e ao mesmo tempo gelo, gelo seco que sem delongas avança no ar. Virar água morna e salgada. Lágrima que escorre da parede de templos em dias de sol. Escorrendo vivas e inteiras, grandes, traiçoeiras, escorrendo pelos dedos da mão. Essa tua mão que me toca e esbofeteia. Mas caio. Firme como a noite, flácido como o dia. Caio e escorro pelo ralo que fede pútrido na beira do asfalto. Na rua do beco. Escorro. Escorro como escorrem tuas palavras e tua vida, como escorrem teu sangue e teu lamento. Escorro como baba de cão sarnento. Escorro e corro pelas pontas dos teus dedos.
(...) Já vistes o último brilho nos olhos de alguém? Eu já. Na noite passada.

- T. B., In Escorrendo pelos dedos.

Para esses dias... Sem você...

"Tenho trabalhado tanto, mas sempre penso em você. Mais de tardezinha que de manhã, mais naqueles dias que parecem que a poeira assenta e com mais força quando a noite avança. Não são pensamentos escuros, embora noturnos…
Sabe, eu me perguntava até que ponto você era aquilo que eu via em você ou apenas aquilo que eu queria ver em você. Eu queria saber até que ponto você não era apenas uma projeção daquilo que eu sentia, e se era assim, até quando eu conseguiria ver em você todas essas coisas que me fascinavam e que no fundo, sempre no fundo, talvez nem fossem suas, mas minhas, e pensava que amar era só conseguir ver, e desamar era não mais conseguir ver, entende?
Eu quis tanto ser a tua paz, quis tanto que você fosse o meu encontro. Quis tanto dar, tanto receber. Quis precisar, sem exigências. E sem solicitações, aceitar o que me era dado. Sem ir além, compreende? Não queria pedir mais do que você tinha, assim como eu não daria mais do que dispunha, por limitação humana. Mas o que tinha, era seu.
Mas se você tivesse ficado, teria sido diferente?
Melhor interromper o processo em meio: quando se conhece o fim, quando se sabe que doerá muito mais — por que ir em frente?
Não há sentido: melhor escapar deixando uma lembrança qualquer, lenço esquecido numa gaveta, camisa jogada na cadeira, uma fotografia — qualquer coisa que depois de muito tempo a gente possa olhar e sorrir, mesmo sem saber por quê. Melhor do que não sobrar nada, e que esse nada seja áspero como um tempo perdido.
Tinha terminado, então. Porque a gente, alguma coisa dentro da gente, sempre sabe exatamente quando termina.
Mas de tudo isso, me ficaram coisas tão boas. Uma lembrança boa de você, uma vontade de cuidar melhor de mim, de ser melhor para mim e para os outros. De não morrer, de não sufocar, de continuar sentindo encantamento por alguma outra pessoa que o futuro trará, porque sempre traz, e então não repetir nenhum comportamento. Ser novo.
Mesmo que a gente se perca, não importa. Que tenha se transformado em passado antes de virar futuro. Mas que seja bom o que vier, para você, para mim. Te escrevo, enfim, me ocorre agora, porque nem você nem eu somos descartáveis.
E eu acho que é por isso que te escrevo, para cuidar de ti, para cuidar de mim – para não querer, violentamente não querer de maneira alguma ficar na sua memória, seu coração, sua cabeça, como uma sombra escura".
 
- Por Caio Fernando Abreu.
 
- Para L. C. B. - Porque te encontrei em uma fotografia e teu sorriso ainda era como aquele que eu tinha em minha memória e porque teu beijo ainda era doce e sutil, não sufocava. E então no meio disso tudo eu vi que ainda havia um pouco de mim, um pouco de ti. E lembrei que um dia me dissestes que queimaríamos o mundo, e que agora ele queima, sozinho, dentro de mim.

Cores, e dias, e letras, e sons

Em alguns dias dói. A tristeza puxa os cabelos, arranha a cara, machuca dentro. E a gente não tem mais nada pra fazer a não ser dizer que tá tudo bem. Porque vai passar, passa. Só que antes de passar maltrata. E, entenda, a pior dor é aquela que ninguém vê. Só ela, a tristeza.
Clarissa Corrêa.

Como deixar flores pelo caminho

"Quis tanto dar, tanto receber.
Quis precisar, sem exigências.
E sem solicitações, aceitar o que me era dado.
Sem ir além, compreende?
Não queria pedir mais do que você tinha, assim como eu não daria mais do que dispunha, por limitação humana.
Mas o que tinha, era seu.
Mas se você tivesse ficado, teria sido diferente?
Melhor interromper o processo em meio: quando se conhece o fim, quando se sabe que doerá muito mais — por que ir em frente?
Não há sentido: melhor escapar deixando uma lembrança qualquer, lenço esquecido numa gaveta, camisa jogada na cadeira, uma fotografia — qualquer coisa que depois de muito tempo a gente possa olhar e sorrir, mesmo sem saber por quê..."

 - Ligya Fagundes Telles, in Seminário dos Ratos.